A Noite Passada em Soho, a mais recente longa-metragem de Edgar Wright, saiu a 28 de outubro. Apesar de não ser uma obra-prima no que toca à estória, tem performances impecáveis, uma banda-sonora pertinente e efeitos visuais viciantes. Definitivamente, a obra cinematográfica constitui-se uma experiência estética inesquecível.

A premissa de A Noite Passada em Soho pode parecer confusa, mas vamos lá tentar explicar. Elloise (Thomasin McKenzie) é a nossa protagonista, ou Ellie como é tratada pela avó com quem vive devido à morte da sua mãe. Esta rapariga sensível e simples, vive num meio rural de Inglaterra, mas sente que não é ali que tem que estar. Para além da sua paixão quase obsessiva pelos anos 60 (desde a música à moda), quer tornar-se designer de moda. Para isto, ao ser aceite numa escola conceituada de moda em Londres, mais concretamente, no Soho, muda-se.

Até aqui não há nada de complexo. No entanto, depois de uma passagem turbulenta pela residência estudantil, Ellie encontra um quarto alugado por uma senhora idosa e é aqui que as coisas começam a ficar estranhas. Durante a noite, a protagonista é, de alguma forma, levada para o Soho dos anos 60. Por várias vezes, vive esta experiência através da jovem Sandie (Anya Taylor-Joy) que ambiciona ser cantora. Ao longo do filme, acompanhamos os diversos saltos temporais entre as duas Londres e as duas personagens sobre as quais há um manto obscuro a perceber.

Um dos primeiros pontos positivos que salta à vista nesta longa de Wright é a qualidade do elenco. Não acredito em géneros de cinema bons ou maus. Contudo, é sabido que são raros os filmes da categoria de terror cujas performances são mais do que medíocres. Aliás, talvez tenha dedos para as contar. Nesta longa, o olhar de Taylor-Joy consegue ser um melhor ator de que muitos outros. Porém, é Thomasin McKenzie que merece um destaque. Depois de uma performance adorável em Jojo Rabbit (2019)  e um deslize no novo filme de M. Night Shyamalan, Old (2021), a jovem atriz tira-me finalmente as duvidas sobre o que devo achar. A transição da sua personagem de uma miúda de um meio rural, ingénua e simples para aquilo que eventualmente vemos é imensamente credível e digna de aplauso.

Não obstante, ao crédito de grandes performances, não podemos retirar ao facto de as personagens estarem bem escritas. Ao contrário de muitas no género, as personagens são complexas, têm um desenvolvimento inteligente e possuem camadas de personalidade. Ainda assim, apesar de no geral o considerar bom, o argumento é o elemento que considero mais falível. Tentou fugir a alguns clichés do género (como a divisão bipolar dos bons e dos maus) e o ritmo do filme é adequado para não nos deixar querer pestanejar à espera do desenredo. Contudo, houve coisas por explicar que deixaram um sabor agri-doce e, sobretudo, um aspeto da vida de Ellie que julgaríamos ser muito mais relevante para o enredo, mas afinal soa só gratuito. Ademais, o estilo de mean girls da escola de moda cujo propósito é mostrar que a protagonista é diferente juntamente com a cena final deram um toque simplório a um filme e a uma personagem que trabalharam para merecer mais.

Os aspetos técnicos, como seria de esperar de mais um trabalho do realizador, são o que mais salta à vista. Para além das cores neon vibrantes que nunca se tornam enjoativas, a estética é trabalhada de modo a sabermos em milésimos de segundo se estamos na Londres contemporânea ou na de 60. A cidade que mais parecem duas é absurdamente apaixonante, assim como o início mais vintage do ambiente rural que também é visualmente muito atrativo. Além de tudo isto, o contacto (ou não contacto) especial entre as duas personagens principais é sempre feito de uma forma exímia. Os cortes são suaves, as transições inteligentes e o movimento de câmara permite fazer momentos impressionantes como uma certa cena de dança que nos deixa de queixo caído.

A sonoplastia é igualmente impressionante e tem uma banda sonora incrível a acompanhar. Todos os sons deste projeto têm um propósito que deve ser apreciado. Os momentos de tensão estão bem-criados e a música tem um papel significativo neste filme, tanto que acaba por ser o maior elo de ligação de Ellie à década de 60. Cada faixa tem um significado subentendido que ajuda à construção do momento. Para não falar de quem, assim como a protagonista, aprecia a década de 60 terá momentos imensamente divertidos. Presenteiam-nos com The Walker Brothers, até Peter and Gordon e, inclusive, um ou outro momento em que nos apercebemos que Taylor-Joy é uma atriz e peras, mas também tem uma voz angelical.

A Noite Passada em Soho era uma das estreias mais aguardadas deste ano e, dificilmente, Edgar Wright desiludiu alguém. Com um elenco feminino forte, uma banda sonora nostálgica do que não vivemos (mas que funciona), cores vibrantes, trabalhos de edição impressionantes e algum medo é um filme a não perder. Noutro ano, talvez pudesse ter mais hipóteses, mas ainda o consigo ver a ser nomeado para uma estatueta de cinematografia. Merecedor desta ou não, continua a valer a pena e faz-nos sentir o quão bom é estar de volta aos cinemas com filmes de qualidade.