A eleição para o cargo de reitor da Universidade do Minho vai decorrer esta quarta-feira, dia 27 de outubro. Clara Calheiros e Rui Vieira de Castro são os dois candidatos oficiais ao cargo, cujo mandato tem a duração de quatro anos. Em entrevista ao ComUM, Clara Calheiros afirma que a sua candidatura pretende “recuperar a ideia da nova universidade” e reforçar “a ligação da universidade ao desenvolvimento da região”. O ComUM tentou contactar várias vezes o candidato Rui Vieira de Castro, mas não obteve qualquer resposta.

ComUM – Quais os principais objetivos da sua candidatura para o cargo de reitora?

Clara Calheiros – Os principais objetivos de qualquer candidatura à reitoria têm de ser o cumprimento da missão da universidade nas suas múltiplas dimensões, as quais relacionam-se com o ensino, a investigação e a interação com sociedade. Esta candidatura pretende apresentar, na minha perspetiva, uma forma mais completa de realizar estas várias missões. Nesse sentido, vai apostar em algumas das coisas que me parecem ser particularmente diferenciadoras da Universidade do Minho. Uma delas, que nos faz regressar um pouco à origem da universidade, tem a ver com o facto de esta ser entendida, desde a sua fundação, como uma universidade nova. A minha candidatura pretende voltar a recuperar essa ideia da nova universidade, porque, a partir de uma certa altura, começamos a ter tiques de velha universidade. No cumprimento desta missão, temos de ser fiéis a esta ideia da nova universidade, uma universidade que se despe daquilo que é o conformismo, de um certo peso das hierarquias, das burocracias e que pretende ir ao encontro da agilidade com que acontece a mudança no mundo.

Por outro lado, também é verdade que estas novas universidades nasceram muito com o intuito de tornar mais democrático o acesso à educação. A sua criação significou uma grande oportunidade de promoção social para muitas pessoas, que foram as primeiras das suas famílias a conseguir frequentar o ensino superior. A Universidade do Minho é a primeira universidade que aparece com o nome de uma região e que é estatutariamente associada a essa ideia de compromisso com o desenvolvimento de uma região. Deste modo, eu penso que o que a minha candidatura traz novo é o reforço desta ligação da universidade ao desenvolvimento da região.

Da mesma forma, pode-se considerar que no momento da fundação da universidade, ocorreu uma aposta forte na captação de talento, de modo a constituir um corpo de docentes com um perfil novo. Nesta perspetiva, eu acho que a Universidade do Minho precisa muito de voltar a apostar nas suas pessoas, porque temos assistido ao envelhecimento do corpo docente da universidade. Existem, de facto, pessoas jovens com muito talento para a investigação e para a docência, mas que estão a ficar fora das carreiras de investigação, académicas e da docência. É necessário que a universidade encontre uma forma de reter esse talento e de cativar as pessoas.

ComUM – Quais os principais problemas da Universidade do Minho?

Clara Calheiros – Eu diria que a Universidade do Minho enfrenta alguns desafios, que se colocam tanto numa esfera interna como externa. Os que se colocam numa esfera interna são questões do foro organizacional e que dizem respeito às regras que utilizamos dentro da universidade para pautar a nossa atuação. Por outro lado, estes desafios internos têm ainda a ver com as pessoas, as suas interações e expectativas. Nesta dimensão interna, há muita a coisa a fazer, quer do ponto de vista regulatório, quer do ponto de vista dos procedimentos.

Por outro lado, também têm a ver com as questões motivacionais. As organizações, evidentemente, têm sempre de se preocupar com a motivação dos seus membros. Um estudante que entra para um curso e não gosta, não consegue sentir-se verdadeiramente acompanhado. As coisas não lhe fazem muito sentido e parece que não tem perspetivas. Desta forma, não vai conseguir atingir patamares de excelência. O mesmo acontece com toda a gente – acontece com os trabalhadores administrativos, os técnicos de gestão, entre outros. Obviamente, as pessoas recebem o seu salário, têm uma tarefa a cumprir e evidentemente que a cumprem. Mas uma coisa é cumpri-la de alma e coração e sentir que o esforço que fazem é reconhecido. Outra coisa é as pessoas não estarem realmente motivadas e acharem que, por muito que se esforcem, ninguém vai reconhecer o seu trabalho.  O mesmo se aplica aos investigadores e docentes.

Por outro lado, os desafios externos são comuns a toda a humanidade, porque vivemos tempos em que há todo um conjunto de mudanças que estão a ocorrer no mundo e que nos têm, obviamente, de preocupar. A grande questão da sustentabilidade e a questão das alterações climáticas dizem respeito a todos, tanto à Universidade do Minho como a todas as universidades do mundo. A Universidade do Minho é uma universidade aberta para o mundo e que tem o mundo como o seu palco. Estas questões obrigam também a universidade a pensar do ponto de vista dos contributos que deve dar para esse mundo global. Nós somos uma universidade portuguesa, situada na região norte e numa euro-região. Todas estas dimensões têm importância para nós, porque há um conjunto de questões que têm a ver, por exemplo, com a internacionalização da universidade. Nós temos, no plano português, uma posição periférica, porque Portugal continua a ser um país muito centralizado, com muitas resistências a uma verdadeira distribuição justa e equitativa dos recursos. Por outro lado, há oportunidades de que a Universidade do Minho beneficia devido à sua posição e algumas dessas oportunidades têm que ser bem aproveitadas nos próximos anos.

ComUM – Em relação à propina, caso seja eleita, tenciona manter o seu valor no teto máximo legal?

Clara Calheiros – Sendo fiel a mim própria e às minhas convicções, penso que tem de existir um compromisso do governo em assumir que o ensino superior deve ser gratuito. Portanto, a minha filosofia de partida é esta. Eu sou muito favorável e convicta na ideia de que o Estado deve assumir o financiamento, que não existe neste momento. Deve existir um financiamento adequado das instituições de ensino superior para que se garanta esse acesso o mais universal possível ao ensino superior. Nessa medida, considero que as propinas sejam contidas dentro dos valores de razoabilidade. À partida, sou favorável à ideia de que o encargo das propinas deve ser, tanto quanto possível, aliviado com a existência de um compromisso junto do Estado de que o ensino superior deve ser tendencialmente gratuito. Neste momento, a situação está a tornar-se mais complicada com a questão da existência dos mestrados, que acabam por tornar o ciclo de formação muito longo, aumentando o período durante o qual aquele estudante vai continuar dependente da sua família. Isto é muito complicado.

ComUM – Existem alguns cursos da Universidade do Minho em que é notória a falta de condições nos departamentos. Existem cursos, como por exemplo o de Música, Artes Visuais, Ciências da Comunicação, que não têm as condições necessárias para a formação dos estudantes. Como pensa resolver este problema, caso seja eleita?

Clara Calheiros – Alguns desses problemas estão relacionados com questões de instalações, na adequação das próprias instalações e isso está em sintonia com uma das coisas que nós pretendemos fazer. Nós acreditamos que o património edificado da Universidade do Minho, neste momento, precisa de ser repensado. Precisamos de fazer um levantamento sobre os espaços que existem e a forma como ele está efetivamente aproveitado. Existem espaços que estão mal aproveitados e degradados – espaços que precisam de ser renovados. Por outro lado, penso que algumas dessas questões têm sempre de ser resolvidas num adequado diálogo com as unidades orgânicas. A palavra principal, nesse aspeto, compete às unidades orgânicas, que são um parceiro insubstituível da reitoria na proposta das melhores soluções. Não é quem está na reitoria que sabe quais os requisitos de instalações para determinado tipo de formação. Deste modo, tem de acontecer um diálogo da reitoria com as unidades orgânicas de modo a perceber o que é necessário e a melhor forma para encontrar uma resposta adequada.

ComUM – Recentemente, foi aprovada a renovação do regime fundacional. Qual é a sua posição relativamente ao assunto? Considera que este tema foi amplamente debatido?

Clara Calheiros – Um dos problemas que está no conjunto das questões da dimensão interna da universidade é o facto de existir algum adiamento entre a comunidade composta por várias pessoas em vários papéis, a comunidade da Universidade do Minho e a sua vida institucional. Isto viu-se na decisão que foi tomada pelo Conselho Geral a propósito do regime fundacional. Eu acompanhei os dois dias de debates do Conselho Geral, através do YouTube, onde as sessões foram transmitidas e fiquei verdadeiramente impressionada com o baixíssimo número de pessoas que estavam a assistir. Eu creio que uma parte substancial das pessoas que compõem a comunidade da UMinho também não tem um grau de informação sobre a relevância do regime fundacional para que consiga perceber que se trata de algo muito importante. Eu penso que não houve, ao longo pelo menos deste último ano, uma comunicação com a comunidade que tivesse permitido despertar o interesse da mesma. Eu diria que um debate verdadeiramente amplo deveria ter existido e deveria ter ocorrido durante muito mais tempo, com várias iniciativas para que as pessoas se tivessem interessado e compreendido o relevo da questão. Por outro lado, eu também admito que o tema, em si, é uma coisa que, sobretudo para quem não for jurista, possa parecer um bocadinho difícil de compreender. Assim, era preciso também, de uma forma mais simples, descodificar o que é que significa ter um regime fundacional.

O Conselho Geral tomou a decisão, mediante o que está previsto na lei, de aprovar esta renovação antes das eleições para a função de reitor ou reitora. Esta questão foi retirada deste processo eleitoral. Independentemente de quem for seja eleito, a decisão já está tomada. Eu acho que o regime fundacional não trouxe praticamente nenhuma vantagem à universidade. Isso deve-se a um conjunto de questões que têm a ver com a própria falta de cumprimento, por parte do Estado, daquilo que estava implícito no financiamento das universidades fundação. Há, efetivamente, um quadro imperativo que a universidade continua a ter de respeitar, visto que a Universidade do Minho é uma universidade pública. O grande impacto do regime fundacional situa-se na esfera pessoal, nas relações laborais. Nesse aspeto, eu creio que a universidade teve a possibilidade de contratar com maior facilidade e isso ficou bastante patente no debate que houve no Conselho Geral ao nível, por exemplo, da investigação. Neste momento, deixarmos cair o regime fundacional talvez não fosse muito avisado, porque é um processo que nunca foi tentado, portanto seríamos os primeiros a fazer essa viagem.

ComUM – Considera importante a participação dos estudantes nas decisões académicas, como foi agora a aprovação do regime fundacional? Como pretende que esta participação seja mais ampla, caso seja eleita?

Clara Calheiros – Eu considero que a participação dos estudantes é absolutamente essencial. Se olharmos para a história da universidade e recuarmos até à criação da Universidade de Bolonha ou da Universidade de Paris, percebemos que a criação da universidade é, em grande medida, uma consequência da atuação dos próprios estudantes. A alma da universidade, a razão pela qual as universidades existem, são os estudantes. Hoje em dia fala-se da centralidade da investigação, mas nunca nos podemos esquecer que o centro da universidade são os estudantes. Sem estudantes não podemos falar da existência de universidades. Eu sempre fui absolutamente defensora de uma ampla participação dos estudantes. Acho que os estudantes têm um papel absolutamente insubstituível em garantir que a universidade não se desvia da sua missão. Isto tem de estar refletido, desde logo, na participação dos estudantes nas decisões da universidade e até nos processos de avaliação na universidade. Há uma perceção, cada vez mais consensual, de que os estudantes são um elemento absolutamente indispensável em manter uma vigilância que garanta que a universidade não se desvia dos seus objetivos e da sua missão. A minha filosofia sempre foi esta  – é importante reforçar a participação dos estudantes nos diversos órgãos da universidade.

Entrevista: Joana Oliveira e Maria Francisca Barros

Artigo escrito por: Joana Oliveira e Maria Sá