Contos do Medo ou, para quem abomina traduções de títulos para português, Nightbooks foi lançado a 15 de setembro na Netflix. Como sempre, a plataforma antecipou do que se iria tratar: “fã de histórias de terror, todas as noites, Alex tem de contar uma história arrepiante ou ficará preso para sempre com a sua nova amiga no apartamento, a bruxa má”. No entanto, a sinopse esconde, e ainda bem, o fantástico da produção.
Trazido à vida por David Yarovesky, Mikki Daughtry e Tobias Iaconis, Contos de Medo corresponde a uma adaptação da obra, com o mesmo nome, de J. A. White. Apesar da aproximação das produções literárias e das produções cinematográficas nem sempre ser a pretendida, é importante ter em consideração as verdadeiras intenções do autor.
Desta forma, em entrevista, J. A. White afirmou que Contos de Medo será uma das suas obras mais autobiográficas até ao momento. Embora estranho, explicou que, em criança, era como a personagem principal, um jovem apaixonado pelo mundo do oculto e pela escrita. Sendo assim, garantiu aproveitar-se das criaturas que já fazem parte do imaginário de miúdos e graúdos e prometeu trazê-las para fora da caixa.
Para além disso, esclareceu que a obra é dirigida a dois tipos de pessoas: naturalmente, aquelas que gostam de realidades assustadoras e para todos aqueles que tenham interesse na escrita. Sublinhou que Contos de Medo aborda “as tentativas e tribulações de ser um escritor”. Posto isto, revelou que há dicas e sugestões para jovens escritores. A pergunta que se coloca é: se a adaptação cinematográfica conseguiu manter os seus propósitos.
Produzida em parte pela Ghost House Pictures, a qualidade do horror era já expectável. Contudo, tendo em conta que a produção é direcionada para famílias, este é trazido com conta, peso e medida. A produção tem a duração de 1 hora e 43 minutos. No entanto, os primeiros segundos da obra antecipam o seu tom. A música assustadora e a meteorologia são como que presságios do que estamos prestes a observar.
Da visão geral de um apartamento, entramos na casa do personagem principal, Alex. O jovem é fascinado pelo mundo do oculto e, por isso mesmo, o tema da sua festa de anos aproxima-se de uma típica festa de Halloween. No entanto, a casa, decorada a rigor, não se coaduna com o estado de espírito de Alex. Este ano, parece que o pequeno se quer afastar da sua paixão, a justificação de tal mudança paira no ar.
Perante uma discussão dos seus pais, Alex decide apagar a sua ligação com o horror. Sendo assim, sai de casa para queimar as suas criações, verdadeiros Contos do Medo. O que o jovem não esperava era que se iria confrontar com uma dimensão do fantástico. Um elevador que encrava, um corredor vazio e uma luz vermelha a sair de uma porta, que assustaria os mais medricas, mas que aguça a curiosidade dos mais aventurosos.
Se, por um lado, dizem que “a curiosidade matou o gato”. Por outro lado, dizem que a curiosidade é mais do que necessária. Qual será o caso? Após se sentir tentado pela luz vermelha, Alex não resiste em dar uma trinca à tarte colocada, propositadamente, à sua disposição.
Até ao momento, se as referências não foram suficientes, a cena deixa explícita a intenção em recordar velhas histórias. Na televisão, pode assistir-se a partes de The Lost Boys, conhecido como um filme sobre vampiros inspirado no Peter Pan. Para além disso, a tarte é uma clara alusão ao conto folclórico O Flautista de Hamelin.
Após dar uma trinca na tarte, Alex desmaia e acorda num sítio desconhecido. Rapidamente, conhecemos Natacha, a bruxa que aprisiona crianças para a servirem, e Yazmin, uma das jovens que foi raptada para tal propósito. A função de Alex é, nada mais, nada menos, do que criar contos de horror, de forma a lhe poder contar um por noite.
Durante a apresentação das histórias, a produção cumpre as intenções principais de J. A. White. A obra cinematográfica aborda os bloqueios criativos dos escritores, apontando a necessidade de se explorar o que nos rodeia em busca de inspiração. Ademais, aborda os comentários a que os autores estão sujeitos, nomeadamente a possibilidade de incoerência com a realidade conhecida ou criada outrora.
Fala-se, ainda, das imposições aplicadas aos filmes de horror – toda a gente sabe que um filme de terror nunca pode ter um final feliz, não é uma verdade? Da mesma forma, fica o conselho de que “o quão mais próximo da verdade, mais poderosa será a história”. Por fim, é inegável a abordagem das míticas personagens dos contos do medo – bruxas, fantasmas, vampiros, o Grim Reaper, bonecas assustadoras e possessões, entre outros -, com plot twists curiosos.
De mais a mais, a longa-metragem permite, como é típico dos filmes infantis, analisar o conceito de amizade – o quanto o crescimento nos afasta de algumas pessoas, mas também nos aproxima de outras, a dificuldade em fazer-se amizades e as cedências que estão envoltas nas relações interpessoais. Das discussões aos sacrifícios em prol dos outros, a obra assume-se como um bom exemplo para os mais novos.
Além disso, aborda-se a necessidade de termos confiança em nós próprios e de nunca mudarmos quem somos apenas por comentários alheios. O tema aplicado aos escritores mantém-se. Apesar da indispensabilidade de atendermos àquilo que a audiência quer, a essência de um autor é a sua voz e o estilo que usa para transmitir a sua mensagem.
No filme, Alex é-nos trazido por Winslow Fegley. Com uma dúzia de experiências passadas e apenas 12 anos de idade, o ator teve uma prestação sem igual. Lidya Jewett, conhecida pelos papéis em Black Panther (2018) e Good Girls (2018-21), deu vida a Yazmin. Além disso, contamos com a participação da atriz, já catedrática, Krysten Ritter, enquanto Natacha.
Apesar de ter sido lançado longe da noite de Halloween, Contos de Medo antecipa a comemoração. Ademais, traduz-se num filme de horror que pode ser assistido por miúdos e graúdos. Longe de cenas completamente assustadoras, poderá fazer parte de um bom serão para famílias.
Título Original: Nightbooks
Realização: David Yarovesky
Argumento: Mikki Daughtry e Tobias Iaconis
Elenco: Winslow Fegley, Lidya Jewett e Krysten Ritter
EUA
2021