De forma evidente, Firebird alinhou-se como um romance que narra um amor proibido entre dois homens nos anos 70 durante a União Soviética. O filme, que foi muito bem acolhido pela comunidade LGBTQ+, estreou em 2021 e complica qualquer opinião que possa dar sobre o mesmo.
Se por um lado, a premissa não retrata mais que uma relação homossexual repleta de clichés, por outro fez o meu coração acelerar-se constantemente ao longo dos minutos de reprodução. Baseado no memoir The Story of Roman, de Sergey Fetisov, a narrativa acompanha o florescer do amor entre Sergey Fetisov, um soldado soviético, e Roman Medveyev, o seu superior. Recém-chegado à base militar da Estónia, Medveyev faz alvoriçar entre os dois um sentimento que não devia existir (pelo menos segundo à lei da URSS na altura).
Minuto após minuto, a inquietação do espectador vai ser desafiada, não só por sufocarmos em pensar que os amantes podem ser apanhados, mas pela química excelente entre os dois. No que toca à paixão dos dois, é explícito que Sergey é o protagonista, daí que a visão do personagem seja muito mais translúcida. Contudo, esse protagonismo não justifica o facto de Roman não ter direito à uma exploração pessoal dos seus sentimentos no ecrã. O retrato do despontar deste namoro é demasiado visual. Quero com isto dizer, que através dos comportamentos, das expressões faciais e do olhar das personagens ficamos esclarecidos quanto à atração que sentem um pelo outro. Porém, isto é concretizado de um modo tão visual e sem palavras que nos faz questionar como é que esta paixão surgiu. Se fossemos aplicar esta situação no mundo real, ninguém se apaixonaria dessa forma.
Mait Mäekivi realizou o seu trabalho como cinematógrafo sublimemente, criando uma imagem ímpar e cristalina. De facto, um aspeto que admirei imenso ao longo da longa-metragem foi como as paletas de cores se alteravam conforme os momentos representados. Ambientes exteriores ou mais tristes conheciam tonalidades mais frias e que dançavam entre o azul e o cinza. Por sua vez, momentos felizes ou “mais moles” eram apresentados com uma paleta repleta de tons claros e pastel, ao passo que cenas de romance e atração apresentavam-se em vermelhos e laranjas violentos. Mäekivi brilhou na imagem, porém Krzysztof Aleksander Janczak não fica atrás na grandiosa qualidade musical que selecionou para a banda sonora. Cada peça tocada durante as cenas entrelaça-se suntuosamente com a emoção retratada pela ação. A par disto, é de salientar o formidável design de som que construi um realismo sem igual e uma exploração fílmica envolvente.
Não me considero muito elucidado sobre as tendências de moda dos anos 70, em particular, num regime ditatorial como a União Soviético, caracterizado pela rigidez e inflexibilidade. No entanto, das noções que tenho parece-me que o guarda-roupa inclinou-se para uma vertente intrigante que intercala o elegante com o sóbrio. Desta forma, as fardas militares distinguem-se pelas cores e modelos militares típicos, ao passo que as roupas usadas fora da base transmitiam uma aura mais relaxada e “feliz”.
Em nenhum dos aspetos técnicos a obra cinematográfica desencanta, equitativamente, a dramatização dos atores assume-se de um encanto extraordinário, sendo a química entre o casal inigualável. Contudo, não são só Tom Prior (Sergey) e Oleg Zagorodnii (Roman) que ressaltam na produção, também Diana Pozharskaya (Luisa) sobressai num papel secundário. Embora sejam apresentadas performances fabulosas, temos que admitir que para além de Sergey, nenhuma outra personagem tem tempo e espaço para se expandir mais profundamente. Até mesmo o protagonista é dado a conhecer à audiência apressadamente.
Como seria de esperar, a lição sobre o amor e a aceitação é reiteradamente questionada. “O amor não devia ser um crime” é um sentimento que o espectador experiencia ao longo da produção, a par da empatia que sente pelos dois personagens que amam, sofrem e vivem intensamente seja pela paixão ou pelo medo. Ademais, abre-se espaço para o espectador meditar sobre a dureza e as consequências da vida sob um regime ditatorial.
Antes de finalizar, uma questão que me incomodou um pouco foi a língua usada no filme: o inglês. Compreendo que esta opção possa dever-se a questões de produção, já que a produtora envolvida tem origens britânicas, ou até para tornar o filme mais comercial. Contudo, para além do protagonista, os restantes atores são maioritariamente oriundos do leste da Europa e nota-se certa dificuldade de certos elementos do elenco com a língua. Na minha perspetiva, teria sido uma melhor aposta para Firebird se fizesse jus àquilo que representa: a Estónia no período da URSS. Estoniano ou Russo teriam sido opções linguísticas mais próximas da verdade e construiriam uma naturalidade que falha em leves momentos.
Resumidamente, para quem procura uma estória LGBTQ+ assente no plot twist e numa forma original de narrativa, Firebird não é, de certeza, a melhor opção. Não obstante, isso não significa que este cliché falhe em entregar-nos uma produção de excelência e com capacidade para estimular o espírito crítico. Seja pela emoção que a premissa constrói ou pela aparência visual, Firebird tem grandes hipóteses de singrar nas premiações mais conceituadas do cinema.
Título Original: Firebird
Realização: Peeter Rebane
Argumento: Tom Prior, Peeter Rebane
Elenco: Tom Prior, Oleg Zagorodnii, Diana Pozharskaya
Reino Unido/Estónia
2021