O ator e realizador Luís Ismael abre as portas da sua carreira artística e expõe a sua "Alma de Artista" para mais uma rúbrica cultural.

Luís Miguel da Rocha Ferreira nasceu a 20 de novembro de 1971. O ator e realizador português assumiu-se enquanto Luís Ismael ao entrar para o mundo do audiovisual. O uso de tal alter-ego assenta numa “singela e pequena homenagem” a Ismael, o seu pai, que foi o principal responsável por fazer com que “um chato e um teimoso conseguisse ser realizador de cinema”. Nos dias de hoje, são já seis as longas-metragens com a autoria de Luís Ismael.

“Eu tive uma infância maravilhosa”, declarou o realizador. “Sou um daqueles miúdos que cresceu no meio da rua, sem computadores, sem redes sociais, sem plataformas de diversão que não fossem o contacto com outras crianças. Tive também a sorte de ter nascido numa rua onde tinha mais umas 20 e tal crianças, por isso aquilo era uma loucura completa”, acrescentou. No entanto, a euforia do exterior contrastava com o ambiente solitário de casa. Como tinha dois irmãos mais velhos (dez e onze anos, respetivamente) e como os seus pais passavam largas horas no trabalho, Luís Ismael via-se frequentemente sozinho em casa. Foi neste contexto de combate ao tédio que uma pequena atitude fez despontar o gosto pela ficção. “Houve um dia que estava sem nada para fazer e decidi ir ao cinema, pus-me à porta e o porteiro deixou-me entrar. Eu fiquei todo contente e gostei muito da sensação. Comecei a tomar-lhe o gosto, vi todo o tipo de filmes e comecei a querer ser realizador de cinema”, explicou.

Francisco Paiva / ComUM

A descrença dos seus conterrâneos era grande, mas, aos 21 anos, Luís Ismael conseguiu o seu primeiro trabalho numa produtora de vídeo. A sua função era de “assistente de imagem/moço de recados/empregado de limpeza/escravo/ tudo e mais alguma coisa”. Após acumular passagens por várias produtoras, sentia-se “capaz de fazer um filme, mas precisava de o provar” a si mesmo, confessou. Posto isto, anos mais tarde e com muita insistência de J.D Duarte, seu sócio e amigo, lançou o primeiro Balas & Bolinhos (2001). Inicialmente, “era visto como uma curta-metragem”, contudo, logo após os primeiros ensaios, o guião foi-se estendendo. Quanto às duas sequelas, o realizador afirmou que “o Balas e Bolinhos – O Regresso (2004) foi feito numa perspetiva de melhorar e esticar um bocadinho a corda face ao primeiro”. Já o terceiro e último capítulo “foi sempre visto como uma comemoração”. O objetivo era que “as pessoas se divertissem à brava”, tal como o próprio realizador.

A verdade é que a trilogia Balas & Bolinhos (2001 – 2012) veio trazer ao cinema português uma linguagem disruptiva, onde o emprego de palavrões não era, de todo, um problema. Luís Ismael reconhece que o traço linguístico mais sujo chocou muitas pessoas, mas apontou que não fez de propósito. Por outro lado, esclareceu que, enquanto cineasta, sente a obrigação de fazer filmes que considere “genuínos”, mesmo correndo o risco dos rótulos e críticas. O realizador rematou ainda que as pessoas que gostam das suas obras cinematográficas “não o levam demasiado a sério”. Para si, essa é a “atitude mais bonita que se pode ter na vida.” Ainda assim, Luís Ismael confessou que já sofreu muito preconceito por ser o realizador do Balas & Bolinhos (2001 – 2012). “Aliás, nunca recebi um subsídio do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) exatamente por isso”, alegou.

Ainda assim, o cineasta deixou bem vincado que nunca se vai limitar nas suas produções. Todavia, acredita que pode ser apanhado pelo crivo da cultura do cancelamento. “Acredito que possa vir a ser cancelado ou criticado no futuro, estou pronto para isso, estou disponível para isso, mas também a verdade é só uma: acho que neste momento estamos a viver tempos estranhos e idiotas”.

“A confrontação com o lado obscuro da vida é muito importante e se tu tirares isso do cinema e das artes, vais estar a criar um mundo artístico que não corresponde à realidade que representa, porque a arte não deixa de ser uma representação da vida.”

Após uma trilogia muito bem sucedida, Bad Investigate (2018) foi o projeto que se seguiu. A quarta longa-metragem da carreira do realizador trouxe de volta grande parte do elenco de Balas & Bolinhos (2001 – 2012), à exceção de Jorge Neto, que interpretou a personagem Rato na trilogia. Luís Ismael clarificou a questão, dizendo que, na altura, “o Jorge Neto não conseguiu chegar a acordo connosco em termos financeiros”. O realizador referiu ainda que o ator “também tinha uma agenda preenchida”, ficando fora da longa-metragem.

A verdade é que o filme Bad Investigate (2018) também amealhou notoriedade e, em maio deste ano, chegou à Netflix. Luís Ismael assumiu-se “surpreendido e agradado” com tal distinção. No entanto, assumiu o desejo de que a plataforma de streamig americana lhe desse a oportunidade de “fazer uma série”. Para além disso, o cineasta espera que esta distinção abra mais oportunidades ao cinema português, que Luís Ismael considera continuar “sempre pequenino”. “Enquanto tivermos medo de ser um bocadinho incomodativos, os produtos audiovisuais portugueses vão ter sempre problemas.”, apontou.

Dentro da mesma temática, Luís Ismael apontou ainda o dedo ao ICA pela situação do cinema português, fundamentando que o instituto “tornou-se na única forma de fazer cinema em Portugal.”  Posto isto, o realizador considera que o único futuro viável para o cinema nacional é produzir para o estrangeiro. Nessa linha de pensamento, aproveitou para referir o caso de Daniela Melchior, afirmando que que esta entrou “num mercado que lhe pode dar muitas oportunidades”. Consequentemente, o cineasta apontou que deseja que a atriz tenha “muito sucesso, até porque é importante expor os atores e atrizes portugueses no estrangeiro”.

Luís Ismael abordou a possibilidade cada vez menos remota de um Balas & Bolinhos 4. “Tenho de confessar que recebo diariamente muitas mensagens a pedir um quarto filme e a pandemia veio amolecer a minha intransigência de não fazer mais nenhum Balas & Bolinhos.” Apesar de não considerar muito importante, uma vez que as quatro longas-metragens já “deixaram um bom legado para a comédia portuguesa”, julga que não pode ser “insensível” aos pedidos do público.

O realizador lembra ainda que se aproximam os 25 anos da trilogia, já em 2026. As celebrações não serão esquecidas. Só falta saber se haverá “um filme, uma curta-metragem, um teatro ou um documentário”. Contudo, Luís Ismael está certo de que quer agradecer ao público.

Posto isto, a transição da trilogia Balas & Bolinhos (2001 – 2012) para uma tetralogia é ainda uma incógnita. Até lá, é possível que seja lançado uma outra obra cinematográfica dirigida por Luís Ismael. Chico, já totalmente escrito, conta a história do aclamado “Chico Fininho” na cidade do Porto, durante os anos 80 e deve entrar em fase de produção nos próximos tempos.