Punk é prodigioso, sereno e imperturbável na mestria estética e sonora. Este novo projeto discográfico, lançado a 15 de outubro, celebra a voz e a versatilidade inconfundível de Young Thug. Os vinte temas reúnem colaborações com prestigiados artistas do núcleo íntimo de Thug, como Travis Scott, Drake, Post Malone e A$AP Rocky.

Natural de Atlanta, Geórgia, Young Thug é um ícone distintivo na cultura contemporânea. Desde o lançamento da primeira música, “Stoner” (2014), o artista de 30 anos posicionou a sua ímpar identidade musical na produção de mixtapes e conceitos de experimentação. Após o grande sucesso do álbum de estreia, So Much Fun (2019), com hits intemporais hip-hop como “Hot” e “The London”, este disco desvenda as inquietações geniais do cantor-compositor. Dentro do seu grandioso e complexo espólio, o segundo álbum de estúdio (depois de uns quantos de compilação) desafia, como sempre, o limiar entre o universo musical rap e múltiplas e distintas influências.

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Sem singles promocionais antes da divulgação de Punk, a performance inédita em “Tiny Desk (home) Concert” de NPR Music foi o palco de antestreia deste projeto. Aliás, a parte de trás da t-shirt personalizada de Thug descortinou, em exclusivo, a data de lançamento. Reconhecido por dar um brilho multifacetado em cada convite de colaboração, Young Thug é vendado do mundo no qual é, claramente, uma personalidade influente. Tece uma lírica esmerada e de destreza ilimitada com o seu atípico timbre irregular.

Num tom mesmerizado, a faixa de abertura, “Die Slow”, é uma introdução introspetiva com um desabafo profundo. Este momento é partilhado com o rapper e compositor Strick. Recheado de memórias reflexivas de Thug, esta intro flutua em suaves e angélicas harmonizações, enriquecidas por um acorde simples de guitarra. Segue-se o segundo tema, com uma narrativa tenebrosa, num bass mais assertivo e impactante. “Stressed” resulta da união com os indiscutíveis talentos de J. Cole e T-Shyne, que descrevem períodos de exaustão, incerteza e de maior desassossego nas respetivas carreiras artísticas.

De seguida, uma melodia mágica conduz para uma experiência de cura. Mediante frequências sonoras, a música fragmentada “Stupid/Asking” narra incompatibilidades de um relacionamento amoroso. A transição momentânea para um ritmo trap desesperante e para múltiplos jogos coloridos de inflexão vocal fazem deste tema o mais longo do projeto, com mais de cinco minutos e meio de duração. Já “Recognize Real” embala o ouvinte com uma faceta desconhecida do rapper Gunna. Isto acontece num impressionante tom melancólico sobre a brutalidade policial e, ao mesmo tempo, da glória e fortuna de ambos os artistas.

Adicionalmente, logo nos primeiros segundos de “Contagious” advinha-se uma outra música mais compassada. Mas, Young Thug desengana-nos numa surpreendente mescla hip-hop mais espiritual e alucinante. O conceituado rapper Future inaugura a sexta faixa, “Peepin Out The Window”, com um verso refrão excecional e de fácil memorização, tornando-a, de imediato, um hit. A sonoridade é ainda pintada, tal como a anterior, com notas suaves de piano, frutos da colaboração do rapper YNW BSlime.

Altamente antecipada, “Rich Nigga Shit” origina uma rutura melódica e propicia os ad-libs icónicos de Young Thug em camadas ruidosas de trap. Neste tema, há uma muito estimada colaborativa póstuma de Juice WRLD, num verso curto, mas de total virtuosismo. Esta não é a primeira música entre a dupla freestyler, dado que têm cinco colaborações oficiais, sendo a última (“Bad Boy”), publicada em janeiro deste ano. Produções estas bastantes similares, já que ambas foram produzidas pela mesmo engenheiro sonoro, vindo do produtor Pi’erre Bourne.

Numa transição algo brusca, um ritmo acústico familiar, acompanhado por um sucessivo estalar de dedos, é introduzido pelo artista Post Malone em “Livin It Up”. Esta conta, igualmente, com a participação notável de A$AP Rocky. Todavia, há certos pormenores estilísticos menos aprofundados que conduzem a uma menor qualidade deste tema. Por outro lado,  com um bass forte e emergente, identificável de Thug, os rappersDrake e Travis Scott reúnem-se no tema protagonista do álbum, “Bubbly”. Com tempo alargado e assegurado para brilhar, os convidados presenteiam a faixa 12 com a melhor composição de cada personalidade.

Com um bass igualmente atribuível, em “Road Rage” o artista fala-nos de lembranças que o encaminharam para a conquista em direção aos holofotes, garantindo ser “o escolhido” (“I’m the chosen one”). Já o tema 14, “Faces”, ostenta influências pop numa cadência rítmica híper reverberada, continuando uma narrativa de supremacia e triunfo pessoal. “Droppin Jewels” e “Fifth Day Dead” são, por sua vez, temas mais próximos do estilo old-school. Estes mostram a habilidade nata de Thug criar músicas exemplares, apesar de muitas vezes passar, infelizmente, despercebida.

Inesperado no seguimento do álbum, em “Icy Hot” temos um refrão acompanhado de back-vocalssincronizados de Doja Cat. Estes extremos tons agudos similares aos do artista prolongam-se até aos segundos finais da faixa. Com uma colaboração antecedente no projeto discográfico Planet Her (2021), a rapper é a única presença feminina em Punk e reluz versos extasiantes e audazes. É um tema que se adivinhava como um dos mais populares, graças à união destes dois grandes nomes, mas ainda não conquistou os fãs de nenhum dos lados. Posto isto, permanece, até ao momento, como uma das músicas do projeto com menos streamings nas plataformas.

 

A faixa 18, “Love You More”, acalma e recupera a energia graciosa que introduz Punk. Além de ser a terceira e última presença de Gunna, este tema reúne artistas que se pensariam invulgares no projeto. Aqui contamos com Jeff Bhasker e Nate Ruess, respetivamente, produtor musical multi-instrumentalista e vocalista de uma das músicas mais comercializadas da década passada, “Just Give Me a Reason” com P!nk. “Hate The Game” retrata, por sua vez, a vida leviana e as adversidades em relacionamentos, culpabilizadas, principalmente, pela escolha da vida profissional face a tudo o resto. Por último, “Day Before” dá o desfecho que cessa com uma magnificência premeditada ao incluir uma colaboração de tributo ao rapper Mac Miller. Acompanhado de acordes acústicos suaves e singulares de um ukelele de Zach Farache, é possível reviver momentos cintilantes de forma vívida e confirma-se, sem dúvidas, como uma das melhores decisões na produção de Punk.

Em tonalidades plácidas, ousadas e ecléticas, a sonoridade do projeto foi bem lapidada e envernizada nos tons rosados característicos de Young Thug. Não obstante, certas transições menos ponderadas e excessivas camadas harmoniosas passam, por vezes, para uma linha musical labiríntica e de menor firmeza.  Ainda assim, Punk é, incontornavelmente, um dos melhores projetos de Young Thug até ao momento e deixa-nos a ansiar o próximo nível do artista multiplatinado.