O mais recente vencedor da Palma de Ouro de Cannes, Titane, estreou em 13 ecrãs dos cinemas portugueses no dia 7 de outubro. A turbulência desta longa-metragem é colossal, tal como o titânio. Trata-se de uma experiência sensorial de body horror que tanto roça o grotesco e o surreal, como invade o espectador de encanto.
O filme retrata a metamorfose corporal e mental de alguém que anseia tornar-se titânico. Agathe Rousselle dá rosto a esta protagonista arrojada que é invadida pelo fascínio de tudo aquilo que é metálico. Até agora pode parecer descabido, mas a singularidade de Titane não necessita de sinopses pormenorizadas. Esta obra-prima rompe qualquer convenção de modo irreverente e desafiante, quase como se fosse a pioneira no nascer de um novo movimento cinematográfico. Quer se ame, quer se odeie, a verdade é que ninguém fica indiferente a esta viagem atordoante.
Julia Ducournau, a realizadora, já nos havia antes familiarizado com o choque da violência em Raw (2016). Todavia, nunca um filme de terror se aprofundou tanto numa fusão de conceitos tão diversos, como a identidade de género e as relações familiares. Em paralelo com a monstruosidade retratada nos primeiros minutos do filme, a segunda parte enche-nos de humanismo. Neste paradoxo do desconforto e da compaixão, Julia Ducournau chega mesmo a dizer que se trata de “uma história sobre o nascimento do amor”. Pode ser inflamável e transgressivo, pode surgir no seio da mentira e da perversidade, mas é repleto de amor que, no final de contas, Titane termina.
Porém Agathe Rousselle não está sozinha e as luzes dos holofotes apontam também para a atuação genial de Vincent Lindon, que contracena com a atriz. Esta dupla bastante peculiar tem mais em comum do que aquilo que é esperado. Ambos buscam desenfreadamente a eternidade, o controlo total, o corpo idealizado. Assim, é no meio das vidas mutiladas de que são reféns que se unem e conhecem a humanidade. Depois do caos e da barbaridade, Rousselle chega com Vincent Lindon à luz ao fundo do túnel.
No meio de tudo isto, o humor não é esquecido, principalmente nas cenas mais tensas, sobra sempre espaço para uma risada. Contudo, é muito graças à música que a faceta humorística de Titane existe. Em momentos extremamente violentos e bizarros, músicas como “Nessuno mi può giudicare” e “She’s not there” começam a ecoar. Ou até em momentos que desafiam a vida e a morte, com “Macarena” a ser cantada. Isto é só mais um dos paradoxos engenhosos deste filme.
A 74ª edição do Festival de Cannes ficará gravada na história, tal como o vencedor do seu prémio mais prestigiado. Considero que é o começo de uma nova era para o cinema francês.
Título Original: Titane
Realização: Julia Ducournau
Argumento: Julia Ducournau, Jacques Akchoti e Simonetta Greggio
Elenco: Agathe Rousselle, Vincent Lindon e Garance Marillier
França
2021