Daniel Craig despediu-se dos fãs numa obra cinematográfica que não vai cair no esquecimento. Sendo 007 – Sem Tempo Para Morrer, o último filme da franquia em que participa, Craig teve a honra de protagonizar uma narrativa que traz um misto de esperança com ansiedade e tristeza com alegria.

Fazendo jus ao típico início de cada filme de Bond, 007 – Sem Tempo Para Morrer também não foi exceção e arranja maneira de James se despedir de uma mulher (neste caso de Madeleine Swann), mesmo que ela seja sinónimo de felicidade e paz que o agente secreto tanto precisa. Com esta despedida passam cinco anos e assim é justificado o tempo de diferença entre 007 Spectre (2015) e a recente produção. O interesse reside no facto de apesar do novo filme se entrelaçar no último, desenlaça-se com um outro vilão, Safin (Rami Malek). Isto faz com que a história flua e a audiência não note o impacto daqueles anos em que não houve um filme do 007, sem tornar a narrativa repetitiva.

Como premissa base da história, James Bond “reforma-se” e desfruta de uma vida tranquila na Jamaica. Todavia, a paz termina rapidamente quando recebe um pedido de ajuda de um velho amigo. A missão, apesar de simples de compreender, mas nem tanto de executar, consiste em resgatar um cientista raptado. Contudo, o serviço revela-se traiçoeiro e 007 vê-se numa teia de mistérios e sucessivas perseguições que o levam ao encontro de Safin, armado com uma nova tecnologia perigosa. Desta forma, é o serviço que impulsiona o interesse que a longa-metragem desperta no espectador.

Curiosamente, o vilão não só oferece uma narrativa repleta de ação e surpresa, mas também destrói o foco da história. Este filme, ao contrário do que acontece na maioria das obras anteriores, não cria uma ligação direta entre o antagonista e James Bond. No entanto, a ligação caí entre Safin e Madeleine Swann, a amada do herói. Assim, é fortalecida a razão desta personagem feminina na história e destaca ainda mais a evolução do protagonista enquanto pessoa. Bond foi, sempre, um homem solitário e mulherengo, não só porque não confiava em ninguém, como também nem o seu trabalho o permitia viver de maneira diferente. Não obstante, a ideia romântica e protetora de querer uma vida ao lado de Madeleine (Léa Seydoux), era tudo o que os fãs desejavam. Porém, a história não foi tratada de maneira linear e desenrolou-se numa curva dramática de constante agonia e preocupação ao espião britânico, que o público partilhou e suspirou.

Quanto às cenas de luta, tão características de longas-metragens de ação e, principalmente, da saga 007, podem-se afirmar como, absolutamente, espetaculares. Até porque Daniel Craig estava lesionado (perna partida) e não recorreu a nenhum duplo para gravar as perigosas cenas de ação. Contudo, acho que podiam ter sido mais sucintas. Não são momentos desinteressantes, mas são demasiado longos e uma vez que o filme não é repetitivo (uma cena leva a outra, que por sua vez desenrola na seguinte). Se as lutas fossem menores em número ou tempo, o filme conseguia ser contado com a mesma emoção e em menos de 150 minutos – uma duração já, consideravelmente, grande.

Ainda assim, apesar de todos os grandes elementos que o filme tem intenção de destacar, referidos acima, foram os pequenos detalhes que tornaram a obra cinematográfica mais emotivo e cativante. Em primeiro lugar, merece ser sublinhada a atuação e renovação do protagonista. Reconhecido pelos seus fatos e gravatas em ambientes citadinos, 007 – Sem Tempo Para Morrer desafia James Bond a adaptar-se no meio de florestas e tundras, onde a roupa elegante dá lugar ao que for necessário para a sobrevivência dele e dos que lhe são próximos. Outra aspeto positivo é a caracterização facial do vilão, pois para além de perturbadora, “justifica” a raiva do mesmo e torna mais fácil entendê-la, por parte do público. Do mesmo modo, a ironia das motivações do antagonista são alvo de atenção do espetador. Por muito que sejam originais, não passam de lemas filosóficos e psicóticos movidos a dinheiro e consoante a fortuna que ele irá ganhar, caso avance com o planeado.

Destaco também todos os presságios – curiosamente algo tão, tipicamente, português – assim como todas as referências aos filmes anteriores, que nesta narrativa permitiram ao público fazer especulações do que realmente se estava a passar no ecrã. Esta forma de contar a história agarrou ainda mais o espetador ao filme e à medida que o mesmo se ia revelando, o público festejava com as suas perspetivas ou, pelo contrário – e não, necessariamente, uma coisa má – ficava, verdadeiramente, boquiaberto.

Para além disto tudo, é de realçar que se de um lado temos um vilão masculino, a realização ocidental surpreende a audiência com uma nova 007 (Lashana Lynch), mulher, que põe à prova o talento do velho 007. A personagem de Lynch oferece animação ao público e sublinha a importância de dar voz e espaço de ecrã ao sexo feminino. Na mesma linha de pensamento, foi também uma jovem mulher, Billie Eilish, que ficou encarregue de apresentar nada menos que a música que dá o nome ao filme. Com uma harmonia de vozes e instrumentos musicais poderosos, a banda sonora conseguiu elevar o filme a um novo patamar de excelência. E, aproveitando o louvor feminino, proponho uma salva de palmas à representação de Léa Seydoux por ter conseguido arrepiar a audiência com toda a dor e dilemas dos quais era alvo.

Para terminar, a atuação de Daniel Craig não deixou a desejar e conseguiu captar a emoção do espetador até ao último segundo do filme. Não é um filme sensacional, mas está recheado de momentos sensacionais, onde James Bond é retratado mais como homem e menos como agente invencível. No capítulo final em que todos ansiavam pelo seu – muito merecido – final feliz é levanta a dúvida de como vai ser possível lá chegar, deixando um aperto no coração de todos os grandes fãs da saga.