Após cerca de seis anos desaparecida do panorama musical, Adele regressa com o aguardado álbum 30. A nova era reflete um novo patamar da vida da artista, que canta sobre dilemas que circundam o seu quotidiano. A ansiedade foi muita, porém, ainda que o potencial existisse, 30 não é nada de especial

Antes de refletir sobre cada faixa, é obrigatório salientar que, como é óbvio, 30 não falha nos vocais. A voz vigorosíssima e sui generis da cantora deslumbra-nos com técnicas intrincadas, adlibs altos e uma estabilidade impressionante. Definitivamente, neste trabalho, Adele assusta até o rouxinol mais confiante.

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Desta forma, a primeira faixa, “Strangers by Nature” guia-se pela metáfora de um funeral. Assim, é ilustrado o período de sofrimento que sucedeu o fim do divórcio da artista britânica. A canção é acompanhada de um ritmo etéreo, construído através de instrumentos de cordas e sons melancólicos e tranquilos.

O lead single do projeto, “Easy On Me”, é uma faixa em que Adele projeta a sua voz de forma poderosa ao som de uma melodia que lhe é tipicamente característica. De facto, apesar de não ser sonoramente inovadora, a música é extremamente agradável de se ouvir. Liricamente, a artista pede ao filho de nove anos que a compreenda em relação ao divórcio. Com 24 milhões de streams no Spotify, “Easy On Me” quebrou o recorde de música com mais streams de sempre num só dia.

My little love/I see your eyes widen like an ocean/When you look at me so full of my emotions/I’m finding it hard to be here, sincerely/I know you feel lost, it’s my fault completely”. Aqui percebemos que, claramente, a música “My Little Love” é uma declaração de amor ao filho. Com imensa coragem, a compositora expressa-se perdida e vulnerável e implora ao seu descendente que a perdoe e compreenda. A faixa tem um cariz extremamente sentimental devido à intercalação de vocais, com gravações de voz da cantora e do seu filho. O instrumental que incorpora o estilo jazz e clássico concretiza a intenção taciturna da música. O grande problema reside na extensão que faz com que a peça acabe por se tornar repetitiva.

Apesar de ser, finalmente, uma música distinta do que Adele havia experimentado, “Cry Your Heart Out” integra elementos desnecessários. Através de um compasso mais alegre e forte, a artista desafia-se a seguir em frente. Infelizmente, a faixa desaponta em diversos momentos. Primeiramente, o autotune utilizado em diversos momentos da música é horrivelmente azucrinante. Para além disso, não existem batidas fortes e a inserção de novos constituintes sonoros que não impeçam a composição de cair num regime aborrecido durante a sua duração.

Previsto ser o segundo single do álbum, “Oh My God” é um upgrade musical. Aliás, é, talvez, uma das melhores produções de 30.  A batida essencialmente pop edifica uma sonoridade feroz e atrevida e a cantora não esconde esse facto, por exemplo, quando canta «I know that it’s wrong/But I want to have fun».

Tal como em outras canções do álbum, “Can I Get It” narra as dificuldades com o amor e o fim do relacionamento. O som da guitarra e o refrão animado com assobios oferecem uma experiência musical interessante. Ademais, com o decorrer da música, novos componentes são adicionados que a tornam mais fascinante. Contudo, em certos momentos parece que estamos a ouvir algo muito familiar. “Woman Like Me”, embora mais lenta e tranquila, prossegue com o ritmo de guitarra acompanhado com uma letra excecional. Nesta última, Adele lamenta que o seu marido tenha perdido “uma mulher como ela”.

A certo ponto, é apresentado um interlúdio muito intrigante. “All Night Parking (with Erroll Garner) Interlude” apresenta uma harmonia elegante, requintada e calma que nos faz curar todos os remorsos.  O álbum avança com faixas como “I Drink Wine”, “Hold On” e “To Be Loved” que são constituídas por letras dignas de serem chamadas poesia. No entanto, em termos de musicalidade não sobressaltam, acabando por cair, mais uma vez, no aborrecido.

Por sua vez, “Love Is A Game” toma proporções de uma música que seria utilizada para encerrar um filme dos anos 50. Tudo é alinhado de forma perfeita para criar esta faixa perfeita para dar fim ao projeto. Vocalmente exuberante, com um instrumental clássico e cinematográfico e com  lirismo genial, “Love Is A Game” é um ponto elevadíssimo nesta produção.

De facto, Adele regressou, finalmente, com um álbum que projeta questões que atormentam, muitas vezes, a idade dos 30 anos. Depois do amor que se quebrou num divórcio, a artista expressou todas as turbulências que afetam o seu coração. Se liricamente o álbum 30 supera, excecionalmente, tudo o que a cantora apresentou até agora, melodicamente o álbum deixa a desejar. As características musicais de Adele são magníficas, porém em certos momentos seria relevante ouvir algo novo.