“Eu sou futebolista e sou homossexual”. Foi assim que Josh Cavallo, australiano de 22 anos e jogador do Adelaide United, entrou para a história do futebol e tornou-se no primeiro atleta profissional em atividade a assumir-se homossexual. Apesar das várias reações positivas e de apoio por parte de jogadores como Gerard Piqué ou Antoine Griezzmann e do treinador Jurgen Klopp, o futebol continua a ser um meio marcadamente preconceituoso e que contempla mentalidades muito fechadas.

No dia 27 de outubro, o vídeo da revelação feita pelo jovem jogador parou a internet. No relato emocionante de Josh Cavallo ficaram bem vincadas as dificuldades que o atleta passou até ter tido coragem para expor algo que sempre escondeu, de modo a poder “perseguir um sonho de criança”. A principal razão pela qual o primeiro jogador a assumir-se homossexual publicamente surgiu só em 2021 é fácil de encontrar. Basta consultar qualquer caixa de comentários das publicações feitas pelos órgãos de comunicação social acerca do assunto.

Em todas as publicações multiplicaram-se os comentários pejorativos, as ofensas, os ataques e as desvalorizações. Entre muitos “o que é que isso interessa?” ou “és bom para apanha bolas”, consegue-se encontrar, esporadicamente, um comentário de apoio. As intervenções depreciativas foram claramente predominantes e, enquanto assim for, o futebol vai continuar a ser um mundo amplamente preconceituoso e que fecha a porta a muitos, apenas por causa da orientação sexual, cor de pele, ou qualquer outro tipo de intolerância.

No entanto, não é só nas redes sociais que a discriminação impera. Já este mês, vieram à tona dois acontecimentos com cunho homofóbico. No passado dia 9 de novembro, Ricardo Ferretti, treinador do Juárez, do México iniciou uma conferência de imprensa a perguntar quem seria o primeiro “maricas” a questioná-lo. A sala encheu-se de risos, sem que nenhum dos presentes se tenha insurgido contra o técnico.

Também este mês, no Brasil, na partida entre Nautico e Sampaio Corrêa a contar para a Série B, os adeptos entoaram gritos homofóbicos. Depois da cobrança de um pontapé de baliza por parte do guarda-redes visitante, a bancada gritou “sua bicha”. Contudo, neste caso em específico, foram tomadas atitudes. O juiz da partida interrompeu o jogo e alertou a equipa técnica do clube da casa de que tinha ouvido os comentários. Desta forma, o clube pronunciou-se publicamente acerca do sucedido e só evitou uma punição grave, pois o árbitro do encontro optou por não incluir o caso no relatório de jogo.

Desta maneira, chegamos rapidamente à conclusão de que as medidas de proteção a futebolistas homossexuais precisam de ser reforçadas. As entidades mais poderosas do futebol, como é o caso da FIFA, têm um papel fundamental na luta para que as mentalidades se mudem. E a realização do Campeonato do Mundo de 2022 no Catar não só complica a luta por um futebol mais inclusivo, como ainda a desvirtua.

Neste país árabe, as relações homossexuais são consideradas crime e podem ser punidas com um ano a dez anos de prisão ou até pena de morte. Num estudo realizado com o intuito de classificar o nível de perigo para viajantes LGBTQ (+), o Catar surge como o segundo país mais hostil para os membros da comunidade. Não obstante a todos estes dados e a toda a polémica, o dinheiro continua a falar mais alto e nada foi feito em relação ao assunto.

Apesar do ato corajoso de Josh Cavallo, a homossexualidade continua a ser um assunto tabu no futebol. É necessário que, das bancadas aos balneários, dos treinadores aos jogadores, dos jornalistas às entidades reguladoras da modalidade, haja uma luta incansável para que se ponha um ponto final no preconceito. Só assim se torna possível que todos tenham liberdade e igualdade de acesso ao sonho que milhões de pessoas têm: ser jogador de futebol.

No desporto-rei, tem de reinar a igualdade e a inclusão. Para isso, em termos futebolísticos, está na hora de “chutar para canto” a discriminação baseada na orientação sexual.