Em 2001, chegou aos cinemas um filme que é atualmente considerado um clássico contemporâneo. O Fabuloso Destino de Amélie conta a história de Amélie, uma mulher inocente, ingénua e muito tímida, que vive em Paris no final da década de 90. Por ter desenvolvido o seu próprio sentido de justiça, Amélie decide manipular a vida das pessoas. Trata-se de uma comédia romântica que levou para casa 59 prémios, num total de 74 nomeações.

Amélie nasceu nos subúrbios da cidade de Paris. Tem como pai um médico e uma mãe professora e, por isso, viveu num ambiente rigoroso que se estendeu a uma infância solitária, uma vez que a mesma foi reprimida pelo diagnóstico – errado – do pai, sobre uma condição cardíaca. Devido às preocupações paternais, Amélie não foi à escola, não fez amigos e, com o ensino doméstico dificilmente conseguiu contacto na vida real com outras pessoas.

Contudo, foi esta separação do mundo exterior que levou Amélie a criar o seu próprio mundo de fantasia, onde entram os seus sonhos de amor e beleza. Mas depois da morte da mãe, a relação com o pai torna-se ainda mais inexistente e, quando atinge a maioridade, muda-se para o bairro de Montmartre, no centro de Paris, onde arranja emprego, como empregada de mesa no café Deux Moulins. A vida é simples. Não é incrível, mas chega para Amélie. Certo dia, encontra uma caixa escondida, repleta de variados objetos infantis, na sua casa de banho e, pensando que pertence ao antigo morador do seu apartamento, decide procurá-lo e devolver-lhe o “tesouro”. Quando o encontra, ao ver que ele chora de alegria, a protagonista fica impressionada e adquire uma nova visão do mundo. Então, a partir de pequenos gestos, passa a ajudar as pessoas que fazem parte do seu dia a dia. Sem capacidade de alterar a sua própria realidade, a protagonista está então decidida em melhorar a vida das outras pessoas.

Esta nova perspetiva permite-lhe um novo sentido para sua existência e devota a sua própria vida às pessoas ao seu redor. O sucesso das suas “armadilhas” leva a própria a comparar-se à figura de Zorro, já que acredita que está a fazer justiça pelas próprias mãos. Nas suas aventuras, entre ajudar o seu pai, um escritor fracassado, uma hipocondríaca, um homem que persegue as suas ex-namoradas e um idoso cujos seus ossos são tão frágeis como o vidro, a personagem negligencia a sua própria vida e prejudica a sua busca pelo amor que tanto anseia.

Assim, o filme transmite dois motes. O primeiro afirma que, mesmo que tenhas um dom para ajudar os outros, entre casamenteira ou anjo da guarda, não podes perder a coragem de viver a tua própria vida. O segundo relembra os “mandamentos” para viver em conformidade com os outros.

Desta forma, o primeiro lema é, sem dúvida, a criatividade. Amélie deixa a sua imaginação fluir, não limitando o pensamento. Além disso, está sempre a inventar novas possibilidades e ideias que podem mudar tudo à volta dela, mesmo que recorra aos métodos mais estranhos (mas que tornam o filme dinâmico e divertido). Preocupação com os outros é outro mandamento. A protagonista passou muito tempo a ajudar pessoas que nem conhecia (às vezes, até demasiado). Em terceiro lugar, sublinha-se o valor pelos mais velhos e sábios.

Amélie criou amizade com o Sr. Raymond Dufayel (Serge Merlin). Primeiro por curiosidade e agradecimento a uma pequena ajuda que ele lhe ofereceu. No entanto, ao longo do desenrolar do filme, o idoso tem um papel determinante na vontade agressiva de assumir o controlo da vida da protagonista, de modo que ela aja em direção à beleza do amor com que ela sempre sonhou. Segue-se, com destaque, a coragem. Amélie, a “rainha dos introvertidos”, nunca deixava de mostrar o seu “eu” verdadeiro, independentemente do lugar onde se encontrava. Para isto, é preciso coragem e bravura, com o bónus de uma renovação emocional de liberdade e alegria. Do mesmo modo e, em conformidade com o filme, não se deve ter arrependimentos nem sentir hesitação por ir atrás do amor. Por extensão, ser persistente e, por fim, amar a vida, sem esquecer o amor próprio.

A longa metragem é, portanto, uma “lufada de ar fresco” que, ironicamente, aborda temas pesados de uma forma leve e comovente. Ao mesmo tempo, oferece esperança na raça humana. O Fabuloso Destino de Amélie é marcado pela beleza da cinematografia e dos diálogos e pela profundidade das personagens, assim como dos seus modos únicos de pensar e de viver. Por outro lado, uma vez que a protagonista é Amélie, a narração foca-se na mesma. Contudo, o narrador é, por vezes, invasivo e revela detalhes do passado das personagens, tornando o seu ponto de vista bastante subjetivo. Trata-se, na verdade, de um produto da imaginação da protagonista, que adiciona um tom fantástico ao enredo. Do mesmo modo, a fantasia de Amélie invade a sua própria realidade, justificando a explicação das suas emoções mais secretas.

Quanto ao nível musical, a banda sonora é original, maravilhando o público com peças correspondentes à emoção da protagonista, assim como as cores da obra. Ou seja, o azul aparece quando Amélie está mais triste e a tonalidade avermelhada, pelo seu lado, remete para o seu romantismo nato. Destaco também a posição dos planos e a representação da protagonista (de certo modo, infantil e muito teatral) que, juntamente, com a narração, tornam o filme dinâmico e alegre de assistir. Desta forma, o público sente-se parte da história e é-lhe transmitido todos os medos, ansiedades e felicidades de não só da protagonista como dos restantes elementos reais.

Concluindo, para além de uma comédia romântica, este filme ensina também a conviver com os “outros”, sem esquecer da importância do “eu” ser o protagonista na sua própria vida. O Fabuloso Destino de Amélie constitui-se como uma longa-metragem lendária que demonstra o que é cinema de qualidade.