Na sociedade atual, a diferenciação entre género masculino e feminino, numa lógica binária, ainda está bastante presente em tudo o que nos rodeia. Desde a forma de vestir até à maneira de estar e ser, o género é algo que baliza a liberdade de expressão de cada um. A distinção funciona quase como uma força invisível capaz de deturpar as nossas escolhas diárias e da qual não temos, na maior parte do tempo, consciência.

Ao contrário do sexo biológico, o género é construído socialmente. Não é determinado pela genética, mas sim pelo contexto social, cultural e histórico em que estamos inseridos. Assim, o processo educativo e de socialização, que se inicia desde o primeiro dia da nossa existência, é responsável por nos incutir esta dualidade feminino-masculino. As meninas brincam com bonecas, os rapazes com carros – tão simples quanto isto. Somos “forçados” a aceitar que existe uma forma correta de ser e agir mediante o género que nos é atribuído.

Ora, se esta divisão binária nos limita desde o início, será errado pensar que também é capaz de influenciar a escolha do nosso percurso académico e profissional? Claramente que não. Segundo a investigadora Luísa Saavedra, o género é “uma das barreiras que mais limita a liberdade de escolha dos e das jovens, em termos escolares e profissionais, influenciando a forma como concretizam as decisões ao longo do ciclo de vida”.

Esta forma de organização da sociedade exerce uma “influência seletiva”, como refere a autora, sendo responsável por circunscrever o número de opções que cada um de nós tem. De acordo com Luísa Saavedra, a estrutura dicotómica de género relativa ao mundo profissional é apreendida desde a infância, sendo “dificilmente modificável” na adolescência, momento em que são realizadas as primeiras escolhas académicas e profissionais.

Desta forma, as jovens têm uma maior predisposição para escolher áreas estereotipadamente associadas ao feminino, como é o caso dos cursos relacionados com as humanidades ou com uma forte presença da dimensão “cuidar”. Não é pura coincidência que Psicologia, Enfermagem e Serviço Social são áreas geralmente com uma maior percentagem de estudantes do sexo feminino.

Por sua vez, os jovens têm uma maior tendência a optar por cursos relacionados com as ciências exatas e as tecnologias, tradicionalmente associados ao masculino. O estudo “(A)Simetrias de género no acesso às Engenharias e Ciências no Ensino Superior”, realizado por investigadoras de várias universidades do país, comprova este fenómeno, concluindo que ainda existem cursos das chamadas “ciências duras” e das engenharias, como é o caso de Engenharia Mecânica e Informática, em que o número de estudantes do sexo feminino é significativamente reduzido. As autoras consideram que estes cursos estão “simbolicamente submetidos a uma masculinidade hegemónica”, o que leva à antecipação de possíveis constrangimentos por parte das jovens. A constatação de dificuldades no mercado, relacionadas com a necessidade de provar capacidades e com a ocupação de cargos hierarquicamente superiores são algumas das razões apresentadas.

O problema principal insurge-se quando se constata que esta divisão heterogénea do género no mundo profissional se traduz numa infeliz desvantagem para o sexo feminino, visto que as áreas tipicamente masculinas estão geralmente associadas a um maior prestígio social e a níveis de remuneração mais elevados. Por esta razão, as investigadoras Paula Silva e Luísa Saavedra, consideram que “esta forma de distribuição dos saberes não seria problemática por si só, se não contivesse uma hierarquização.” Uma maior valorização das ciências experimentais e das tecnologias em relação às letras e humanidades espelha claramente a dualidade masculino-feminino que orienta e caracteriza a nossa sociedade.

Assim, apesar de não existirem medidas que impeçam as jovens e as mulheres de enveredarem por percursos académicos e profissionais tradicionalmente masculinos, a construção social do que deve ser o homem e a mulher tem um peso significativo no momento de escolher o curso. Este dualismo, que se encontra profundamente diluído na mentalidade ocidental, concretiza-se não só num constrangimento para a população feminina, mas para toda a sociedade em geral. Deste modo, é importante percecionar e educar as crianças como pessoas e futuros cidadãos ativos, promovendo a equidade de género e quebrando com estereótipos retrógrados de género.