Possuindo um dos elencos mais promissores de 2021, Eternals tem causado furor nas redes sociais. Nos cinemas desde 4 de novembro, mostrou-se muito diferente daquilo a que a Marvel habituou os fãs. Nesta longa-metragem ultrapassou a surrealidade dos efeitos especiais e do cliché “herói vence vilão”, levantando questões morais que vão muito além da fantasia.
Trazendo para o grande ecrã umas das histórias mais antigas das bandas desenhadas, são apresentadas dez personagens que são “eternals”. Esta é uma raça que, apesar da sua aparência humana para que se possam misturar com os comuns mortais, possui super-poderes inatos que vão além da imaginação. Trazidos à Terra para derrotar monstros igualmente poderosos chamados de “deviants”, vivem vidas normais ao longo de mais de 500 anos após pensarem que estes haviam sido exterminados. Contudo, estavam errados.
Os deviants voltam a aparecer e, desta vez, mais poderosos do que nunca. Procuram agora matar os heróis e absorver os seus poderes para poderem evoluir e tornar-se a “raça superior”. A equipa que nos é apresentada ao longo do tempo começa, então, a reunir-se para que possam terminar com o massacre que os monstros parecem estar a causar.
Apesar de cenários esplêndidos e efeitos especiais de cortar a respiração serem parte do que torna o visual do filme tão interessante, esse está longe de ser o seu charme. As personagens são apresentadas e desenvolvidas de forma tão natural e intrigante que se torna impossível não nos sentirmos emocionalmente conectados a todas elas. Por mais irónico que seja, tendo em conta que o tema são super-heróis, a longa-metragem não é sobre indígetes, muito menos sobre vilões, é sim sobre pessoas reais com problemas e paradoxos reais.
Comparando este filme a outros da Marvel que também possuem grandes equipas de heróis, tal como X-Men: O Filme (2000), é possível ver a evolução narrativa da franquia. Todas as personagens são lindamente desenvolvidas, dando a conhecer ao espectador os seus medos e motivações. Desta forma, é uma obra cinematográfica em que é difícil apontar um protagonista, pois todos têm a sua importância para a história e ninguém parece cair nos arquétipos de personalidade típicos de tramas semelhantes.
Mais do que isso, os paradoxos que são criados e as questões morais que são levantadas deixam qualquer um que assista completamente abismado e com pensamentos que lhe encham a cabeça muito depois de deixar a cadeira do cinema ou o sofá de casa.
Com um elenco de ver e chorar por mais, é difícil, se não mesmo impensável, ficar indiferente às personagens. Gema Chan (Sersi), que tem recentemente ganho atenção dos média, destaca-se particularmente com uma atuação belíssima. Brian Tyree Henry (Phastos), Don Lee (Gilgamesh) e Barry Keoghan (Druig) são merecedores de particular menção, apesar de motivos diferentes. Henry toca com o quão real se apresenta, Lee impressiona a comicidade e criação de ambiente para a sua relação com a Thena de Angelina Jolie e, por fim, o poder das cenas dramáticas de Keoghan é simplesmente surreal.
Mesmo com as quase três horas de comprimento, a produção possui uma fácil visualização. Além disso, embora não contenha os plot twists e constantes reviravoltas a que o MCU (Marvel Cinematic Universe) habituou os fãs, não cansa e entretém o suficiente por si só. Todavia, a linha temporal é ligeiramente confusa, servindo-se de analepses e prolepses e podendo causar alguma desorientação.
Os figurinos são também algo que não deve ser ignorado. A irreverência e experimentação da parte da produção não passou despercebida, as roupas das personagens são simplesmente etéreas.
A diversidade das personagens também é digna de atenção. Destaca-se, primeiramente, por ter igual número de protagonistas de ambos os géneros binários, sem nenhuma mulher a ser demasiado sexualizada, infelizmente ainda muito comum em filmes do tipo. A obra cinematográfica vai, porém, muito além disso. As etnias são bastante diversificadas, tal como os sotaques. Ademais, a homossexualidade está também presente e uma das heroínas é mesmo surda. O mais relevante, no entanto, é o facto de que nenhum destes pormenores é algo referido ou para o qual se tenta que seja chamado à atenção, contribuindo para a normalização desta pluralidade.
Contendo, ainda assim, bastante humor e situações cómicas, Eternals é uma aposta mais adulta da franquia. Ou seja, é um virar de página para a longa saga, trazendo luz a temáticas nunca antes exploradas. Uma das provas do mesmo é a cena de sexo entre duas personagens que, embora curta e discreta (afinal o filme é para maiores de 12 anos), é algo nunca antes visto no MCU.
Não é um filme cheio de surpresas e, em geral, não há nenhuma cena específica cuja existência se crave na memória do espectador. Ainda assim, é uma visualização que vale 100% a pena. As personagens apaixonam, os visuais prendem e, mais do que tudo, as temáticas únicas tornam o público cativo de uma complexa introspeção.
Título Original: Eternals
Realização: Chloé Zhao
Argumento: Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo
Elenco: Gemma Chan, Richard Madden, Angelina Jolie
EUA
2021