Lançado a 29 de outubro, Something For Thee Hotties é um disco de compilação dos múltiplos freestyles Megan Thee Stallion. Em diferentes composições melódicas, este álbum materializa uma personagem luxuriosa criada especialmente para presentear os fãs. Narrativas lirícas, desnudadas e explícitas são protagonizadas por uma das mais influentes artistas que transcende o universo do rap e hip-hop feminino.

Megan Jovon Ruth Pete iniciou carreira em direção ao estrelato há cinco anos, com flows experimentais publicados no SoundCloud. Numa evolução aprimorada, temas como “Big Ole Freak”, “Girls In The Hood”, “Savage Remix” com Beyoncé, “Hot Girl Summer” com Nicki Minaj e Ty Dolla $ign, “Body” e “WAP” com Cardi B enalteceram a popularidade da rapper e compositora norte-americana. Titular de uma criatividade sobrenatural, conquistou um novo patamar na sua estreia na cerimónia Grammy Awards 2021 ao vencer três das quatro categorias para as quais foi nomeada.

blitz.pt

Este é o primeiro projeto discográfico de Megan Thee Stallion neste ano. Certos freestyles reunidos já estavam disponíveis no canal do Youtube da artista, mas também inclui músicas inéditas que antes apenas embelezavam os seus arquivos. É um projeto mais livre, mas, mesmo assim, alcançou a quinta posição do pódio das tabelas da Billboard 200.

Numa intro de excelência com um instrumental de bass impactante, “Tuned In” ascende com versos frenéticos e virtuosos. Um arrojado jogo de palavras de volta às suas raízes. Apesar de este projeto ser edificado para os ouvintes mais devotos, Megan aproveita os primeiros minutos para destinar mensagens ousadas, ríspidas e atrevidas para os mais críticos. Ao mesmo tempo, irradia uma vibrante aura de empoderamento, sucesso milionário e virtuosismo amoroso, elevando os ouvintes para um nível de supremacia (“Self-esteem high, back account full/H**s goin’ blind tryna look at my jewels”).

Intercalado por skits, um dos pontos mais altos e exuberantes do disco é “Megan’s Piano”. É a primeira música de toda a discografia de Megan Thee Stallion com crédito de produtora. Ao criar uma progressão de notas musicais repetidas, esta composição de piano riff da rapper completa o beat vibrante e monumental da sexta faixa. Narrativas de sucesso, relações amorosas frívolas e riqueza são normalmente associadas ao universo hip-hop masculino. Porém, desta vez, estas são descritas numa versão de mulher graciosa e independente.

Com grande sucesso nas redes sociais, “Eat It” ultrapassa o limiar extremo das letras de cariz explícito. Com influências musicais urbanas dirty south e bounce dos anos 90, Megan entrega uma performance vocal rap voluptuosa num padrão rítmico acelarado. Neste tema, até os back-vocals e ad-libs que compõem o tapete sonoro da música são extremamente sensoriais. São versos libidinosos numa mescla fervorosa de emancipação (e não é para menos). No segundo verso, a artista desvia, por momentos, a descrição sexual fantasiosa com o parceiro e celebra, com humor, o brilho da sua rota musical com mais de duas dezenas de placas multiplatina certificadas até ao momento (“I got so much plaque built up, R-I-double-A my dentist”).

Já a meio, é introduzida uma pausa em forma de interlúdio para refletir sobre os enredos obscuros da vida lendária na indústria musical. “Tina Snow Interlude” revive um dos principais alter egos de Megan, Tina Snow, que até intitulou um dos seus projetos em 2018. Os minutos que se seguem enchem-se com versos de mestria, mas “Let Me See It” é uma faixa de rutura. Com um instrumental irritante e bastante confuso, este tema priva de qualquer coesão. Distrai e arrepia-nos, mas desta vez num sentido menos bom, com um som consecutivo de arranhão numa mesa giratória de disco que se prolonga por mais de três minutos. Uma decisão arriscada para continuar a seduzir o ouvinte até ao último minuto do álbum.

No entanto, Megan retoma, logo de seguida, o esplendor da sua sonoridade com os versos imperativos que detalham, sem pudor, a sua sexualidade. “Freakend” é um exemplo sublime da aproximação R&B acompanhada por uma harmonização celestial reverberada de um sample do hit de 1995, “Freak Like Me”, de Adina Howards. Aliás, foi no tema “Freaky Girl” em estreia colaborativa com SZA, do álbum de sucesso Good News de 2020, que Megan se inspirou pela primeira vez neste clássico. Por breves instantes, a rapper de Houston dá alusão ao mote de Something For Thee Hotties ao vocalizar “he says I’m pretty like an angel,/ When I arch that back, I’m a demon”.

Para um desfecho memorável, Megan Thee Stallion faz a escolha mais sagaz ao completar o trabalho na perfeição com o seu primeiro single solo deste ano, “Thot Shit”. Este tema de platina é, sem dúvida, o maior sucesso deste projeto discográfico ao alcançar a 16ª posição na tabela Billboard Hot 100 na semana de estreia. Inicialmente apenas um fragmento improvisado num freestyle, Megan apropria-se de palavras com habitual conotação negativa ou imoral e, por sua vez, glorifica-as ao encorajar os ouvintes a amarem os seus corpos com total confiança, tal como a artista o faz com toda a excelência. Com um instrumental enérgico e viciante, o icónico videoclipe de “Thot Shit” também surpreende com a afirmação máxima do poder de uma mulher, líder em todos os sentidos e sistemas da sociedade atual.

Em menos de um minuto, o álbum conclui com um outro de agradecimento incondicional da rapper ao apoio dos fãs, aquecendo os corações dos apelidados “Hotties”. Todavia, há particularidades de construção que desequilibram o seu balanço estético, que deixam a desejar pelo efeito efémero no ouvinte. Ainda assim, este projeto é cativante pelo talento e atitude excêntrica acompanhados por fluxos temperamentais sem qualquer esforço de Megan Thee Stallion. Something For Thee Hotties é o regresso ao registo único da artista tão antecipado pelos seus admiradores.