Nascida da caneta e do papel de Philippa Gregory, Duas Irmãs, Um Rei é a obra mais emblemática da “Rainha da Ficção Histórica Britânica”. O livro, lançado em 2001, insere-nos numa das mais dramáticas e debatidas intrigas da monarquia britânica.

A premissa inicia-se no ano de 1521 e a rainha Catarina de Aragão falhou em produzir um herdeiro para segurar a sucessão do atual rei, Henrique VIII. A jovem Maria Bolena é escolhida pelo pai e pelo tio para seduzir o rei, tornando-se a nova amante do mesmo e conquistando influência política para a família Bolena-Howard. A preparação da jovem fica a cargo dos irmãos, Jorge e Ana. A rapariga de 13 anos, casada com William Carey, não tem muita opção de escolha, nem o marido da jovem. Ações sucedem-se, semanas passam e Maria consagra-se como a nova amante do rei, e mais do que isso, encontra-se grávida de Sua Majestade. Uma menina nasce, o que desagrada ao rei, voltando Henrique a tentar conseguir ter um herdeiro masculino.

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Eventualmente, Maria consegue dar à luz um menino, porém já é demasiado tarde. A paixão que o rei sentia pela jovem Bolena apagou-se e concentra-se agora noutra mulher: Ana Bolena, a irmã de Maria. Para além disso, o bebé de Maria é visto como um bastardo. Até agora o leitor acompanhou a história através dos olhos de Maria, a partir deste momento, continua a fazê-lo, mas a narradora-participante perde o “favor real”.

Desta forma, a obra literária narra um dos momentos mais famosos e trágicos da história da realeza britânica. Ao longo de mais de 600 páginas, lemos a sedução do rei por parte de Ana Bolena, a expulsão de Catarina de Aragão do trono e o momento marcante que esteve na génese da Igreja Anglicana. Tudo isto resulta na coroação de Ana Bolena como rainha, que fatidicamente levou ao manchar da sua reputação, e posteriormente, à sua execução.

Gregory não cria uma estória, porém inspira-se numa e transforma-a como quer, amplificando a tragicidade e dando espaço para protagonismo às personagens secundárias. Ao apresentar-nos a perspetiva de Maria sobre este momento histórico, a autora revoluciona todas as abordagens que já foram feitas no mundo das artes a este marco da história.

Ademais, a redação brilhante da obra ultrapassa os meros limites de uma forma diferente de se contar os factos. Será impossível realmente conhecer como as coisas se procederam e quem fez o quê, então, Philippa Gregory desafia-se a arquitetar as personagens conforme aquilo que ela suspeita que as mesmas haviam sido. Claramente, baseia-se em documentos históricos para o fazer. No entanto, o nosso interesse não reside no facto das personagens serem ou não semelhantes à realidade. Impossível é negar o quão bem construídas e descritas elas são. Cada um dos indivíduos narradas na premissa tem uma personalidade tridimensional, obviamente adaptando-se ao destaque que cada um tem.

Para muitos, o livro pode conter momentos excessivamente descritivos, e em momentos tenho que concordar que realmente o são. Não obstante, a forma como é idealizada, é exuberante e assanha a nossa imaginação para desenhar cada cenário. Nesta obra, nada nos deixa indiferentes e nada foge ao panorama perfeito que esta obra concentra. Não há um único parágrafo neste livro que não consiga surgir na nossa mente. Todos os momentos incrivelmente detalhados e redigidos são capazes de serem representados mentalmente por nós, desde as cenas eróticas até à violenta execução de Ana Bolena. Embora seja um livro de excelência tanto a nível de gramática como a nível de conteúdo, Duas Irmãs, Um Rei é alvo de críticas por muitos historiadores.

Gregory expõe diversas características na obra, porém a veracidade das mesmas é questionável. Apesar de se basear em factos, ou supostos factos, muitos momentos da obra criam espaço para discussão tais como a ordem de nascimento dos Bolenas, a sexualidade de Jorge, a paternidade dos filhos de Maria, as motivações e a caracterização de Ana Bolena. Todavia, a cereja no topo do bolo vai para o debate que gira em torno da questão: Ana e o seu irmão Jorge haviam cometido incesto? Factualmente, a rainha foi acusada de incesto e esse foi um dos motivos que levou à sua execução.  Agora se ela era ou não inocente é uma questão completamente diferente.

Duas Irmãs, Um Rei abre a sua capa para nos dar uma aula de história e explorar um dos momentos que mais suscita curiosidade aos historiadores. Gregory teve a audácia de escrever sobre um assunto que gerou muita polémica no meio académico e fê-lo de forma exímia, premiando os leitores com uma estória brilhante digna desse adjetivo. Fechando os olhos às incoerências históricas estamos perante um livro que nos faz dançar entre o romance, a traição, a vingança, a morte e o arrependimento. A genialidade desta obra refletiu-se na adaptação da obra duas vezes no cinema.