Kenneth Branagh oferece-nos no final deste ano, um filme que descreve como “o mais pessoal” já feito por si. Reproduzido nas telas portuguesas pela primeira vez a 25 de novembro, Belfast é uma produção que emociona até a alma mais dura.
O ano é 1969 e, factualmente, a Irlanda do Norte vivia neste momento uma série de conflitos entre protestantes e católicos. As razões eram inúmeras, porém na longa-metragem a segregação é o motivo mais explorado. Num dia normal de agosto, tudo parece estar bem até que numa rua de Belfast, em que católicos e protestantes vivem pacificamente, inicia-se um tumulto colossal que se assemelha a um cenário bélico. Os Protestantes visam afugentar os “cristãos romanos” da cidade irlandesa, havendo entre alguns participantes da manifestação aqueles que estão desejosos de chegar mais longe ainda. Sentimentos ao rubro e só vamos nos primeiros minutos da obra cinematográfica.
A partir daqui, acompanhamos a vida do pequeno Buddy e da sua família. Perspetivamos a premissa através dos olhos do jovem rapaz, no entanto, a mãe, o pai, a avó e o avô consagram-se como personagens principais ao lado de Buddy. Ao longo de mais de hora e meia, observamos como se desenrolam as vivências desta família proletária enquanto uma Guerra Civil é travada entre as ruas da capital.
Pode não parecer, porém o espectador leva um balde de informação em cima de si ao visionar esta narrativa. Isto é, são apresentados imensos detalhes tanto visualmente como em termos de guião. A atenção é um ponto fulcral para não perder a fenomenal forma como a produção se constrói.
Para começar, a narrativa é baseada em factos reais e inspirada na infância do realizador. Desta forma, o toque intimista encontra-se constantemente presente em todos os acontecimentos e na montagem visual do filme. Isto provoca na audiência uma empatia imensa com a obra e as personagens. Não considero que a longa-metragem nos transporta propriamente para o cenário narrado, porém conecta-nos com o mesmo e fá-lo de modo exímio. A estória é redigida com qualidade e somos confrontados com diálogos simples carregados de reflexões que servem de gatilho à nossa consciência. Contudo, sem querer dar muitos spoilers, o desfecho encaixa-se perfeitamente com toda a narrativa. Não obstante, esperava um final mais “estrondoso” e “barulhento” que fosse compatível com a agitação concretizada no princípio.
Se a premissa falha infimamente em pequenos ajustes, os restantes critérios de Belfast compensam largamente. A ousadia em apresentar a cinematografia em estilo noir enlaça-se divinalmente com a história e com os restantes aspetos da longa. Ademais, a montagem, os planos e os movimentos de câmara congregam-se para criar uma peça visual única, irreverente que faz jûs ao que Branagh tanta contar em Belfast. A “agressividade”, o realismo e a expressividade com que a parte visual é executada amplifica as emoções que os atores retratam.
Por falar em atores, cada papel apresentado nesta obra cinematográfica é de tirar o folego. Se Caitriona Balfe e Jamie Dornan efetuam sublimemente as figuras parentais, alicerçando-se como os pilares desta família e atuando com um realismo que me deixou boquiaberto, Jude Hill chocou ainda mais. O astro juvenil que interpreta Buddy obedece impecavelmente aos requisitos que o protagonista precisava para viver no ecrã. As expressões faciais, o tom de voz, a forma como se mexe e age, não existem palavras para descrever o quão Jude Hill é merecedor do Óscar de Melhor Ator Principal.
Pessoalmente, as músicas apresentadas não fazem o meu estilo, mas até se relacionam com os acontecimentos do filme. Por sua vez, o som, num panorama geral, é extremamente bem concebido e faz-nos esquecer que estamos a ver um filme, parecendo que tudo está a decorrer mesmo ao nosso lado.
Definitivamente, Belfast chega até nós com uma carga emocional gigante, que não assusta, mas leva o espectador a ter compaixão por estas personagens que, dentro de um ecrã, parecem tão reais. Na minha perspetiva, algumas mudanças seriam ter feitas no guião, no entanto, não posso negar a excecionalidade que Belfast exubera, levando ao lugar merecido que tem entre os favoritos na corrida aos Academy Awards. Um filme que ultrapassa os limites do indivíduo e explora o peso da sociedade na vida de um ser humano, apresentado-se como um diário cheio de lições e reflexões.
Título Original: Belfast
Realização: Kenneth Branagh
Argumento: Kenneth Branagh
Elenco: Jude Hill, Jamie Dornan, Caitriona Balfe
Reino Unido
2021