Lançado em novembro de 2021, Nunca é o mais recente bestseller de Ken Follett e o primeiro thriller do autor. Repleta de ação, intriga e política internacional, Follett apresenta uma obra promissora, capaz de fazer jus ao historial do escritor britânico.

Antes de começar a leitura, o leitor depara-se com um breve parágrafo, que consiste no mote de escrita da obra. Ken Follett revela que quando escreveu A Queda dos Gigantes, constatou que a Primeira Guerra Mundial “foi uma guerra que ninguém queria”. No entanto, o encadeamento das várias decisões políticas levou quase inevitavelmente “ao maior conflito que o mundo já conheceu”. “Será que isto pode voltar a acontecer?”, questiona.

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À semelhança de outros livros do autor, Nunca inicia-se com o desenrolar de várias narrativas simultâneas, aparentemente isoladas, mas que se interligam à medida que o leitor se emaranha na história. Assim, a obra constrói-se em três locais diferentes do globo – na Casa Branca (EUA), na China e no deserto do Sara.

No primeiro local, encontra-se a Presidente dos Estados Unidos da América – Pauline Green. A presidente tem que lidar com todas as preocupações associadas à governação de um país como gerir constantemente opositores impertinentes e sem ideias, controlar as tensões nacionais e internacionais e, é claro, evitar que os EUA entrem em guerra. Ademais, Pauline tem ainda de lidar com a monotonia do seu casamento, o caso extraconjugal do marido e a rebeldia da filha adolescente.

No deserto do Saara, mais concretamente no Chade, encontra-se Tamara Levit, uma jovem e promissora agente da CIA, que procura (por vezes em vão) que o Chade e o seu ditador, o General, entre em conflito com o inimigo vizinho, o Sudão. Nesta região, está também Abdul, um agente da CIA infiltrado numa rota de tráfico de migrantes, cuja missão é conhecer os esquemas, as pessoas e os locais dos grupos terroristas e encontrar o cabecilha do Estado Islâmico, “O Afegão”, e a sua sede principal, a Hufra. Durante a operação arriscada e desumana, Abdul encontra Kiah, uma jovem mãe desesperada, cujo objetivo é conseguir dar melhores condições ao seu filho.

Na China, a figura principal é Chang Kia, vice-ministro dos Serviços de Informações Internas. Responsável por metade das operações secretas da China no estrangeiro, Kia é uma peça central da política chinesa, sendo o responsável por uma série de acontecimentos importantes e decisivos do percurso da história.

Dada a multiplicidade de personagens e realidades, o livro tem subjacente várias críticas sociais e políticas, traduzindo-se num reflexo nítido da desigualdade entre diferentes regiões do planeta e da crueldade humana. Um exemplo claro, claríssimo, disso é a personagem de Kiah. Com apenas 20 anos, é mãe e viúva. O desejo da personagem é chegar a França, onde felizmente as mulheres europeias pagam (para seu espanto) a mulheres como ela para lhe limparem a casa e cuidarem dos filhos. Aparentemente, o objetivo de Kiah parece bastante simples e humilde. No entanto, para o tentar concretizar, vai sujeitar-se a perigos inimagináveis numa terra onde a mulher não tem voz e é tratada como inferior.

Ken Follett consegue espelhar, de uma forma realista e não moralista, a mesquinhez, arrogância e o orgulho exacerbado do ser humano. Praticamente todos os conflitos da narrativa tiveram na sua base a vingança – um país ataca o outro, fazendo com que esse mesmo país o ataque, o que leva o primeiro país a atacar novamente. Assim, em vez de dialogarem diplomaticamente, as forças políticas eclodem num círculo vicioso de ataque e contra-ataque e numa constante e tóxica necessidade de mostrarem que não são cobardes. Estas tensões podem ter consequências catastróficas quando acontecem entre superpotências com armamento (e bombas nucleares) para destruir cidades inteiras e provocar o princípio do fim.

Desta forma, a diversidade de personagens e a complexidade das suas personalidades, bem como a imprevisibilidade dos acontecimentos chave da narrativa prendem eficazmente o leitor às quase 700 páginas de letras miúdas da quarta edição do livro.  Assim, Nunca é muito mais do que um thriller – é uma obra de génio que obriga ao leitor a refletir sobre a efemeridade do que conhece e a fragilidade da paz. Este livro é a perfeita encarnação da célebre frase – “nunca digas nunca”.