Os Cem Anos de Lenni e Margot, publicado em julho de 2021, é o primeiro romance da escritora Marianne Cronin. Através desta obra conhecemos o desenvolvimento da amizade, aparentemente improvável, entre Lenni, uma rapariga de dezassete anos, e Margot, uma idosa de 83 anos, ambas com doenças terminais. Ao perceberem que juntas completam cem anos, as duas amigas resolvem celebrar esse 100º aniversário de uma forma especial.

Nos primeiros capítulos deste livro conhecemos Lenni, uma das protagonistas da obra. Desde o início fica claro que Lenni tem uma doença terminal, no entanto a vivacidade da adolescente contrasta muitas vezes com o seu estado de saúde. Neste sentido, apesar do livro abordar um tema pesado, soturno e triste, a forma leve e sublime com que é retratado acaba por tornar a leitura mais agradável, resultando numa história bela e arrebatadora.

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A temática baseada nas doenças terminais causa um impacto significativo no leitor logo nas primeiras páginas, sobretudo por, num dos casos, se tratar de uma jovem de dezassete anos. Mas o que nos deixa verdadeiramente imersos nesta obra é a interação entre as personagens. Lenni, Margot e o Padre Arthur protagonizam alguns dos melhores capítulos deste livro. Não só em consequência do bom desenvolvimento deste grupo de personagens, mas sobretudo devido à riquíssima interação entre elas. As conversas, discussões e aventuras entre personalidades tão distintas rendem momentos divertidos, cómicos, emotivos, profundos, e acima de tudo momentos genuínos.

As memórias partilhadas pelas protagonistas permitem-nos viver cada um desses momentos de perto, como se o leitor estivesse verdadeiramente a escutar as vozes das personagens. Além disso, são essas histórias que dão à jovem Lenni a oportunidade de viajar para realidades muito diferentes da sua, o que de outra forma seria difícil de alcançar. Óbvio é que nem todas as recordações são boas, o que é natural, pois, na verdade, essas histórias são apenas o exemplo das suas vidas. E como em qualquer vida, há momentos felizes, mas também existem tempos de dificuldades e de desafios. No fundo, as recordações partilhadas representam a inevitabilidade da vida.

Outra marca que distingue esta obra são os vários flashbacks que ajudam a contar a história de Margot. Ao longo do livro, a idosa de 83 anos, vai pintando várias telas que simbolizam cada um dos anos da sua vida, assim como a sua companheira, de forma a obterem cem telas, simbolizando a soma das suas idades. Porém, para além de pintar, Margot também conta muitas das histórias retratadas nas telas à sua amiga Lenni. Apesar da ideia ser original e da maioria dessas “idas” ao passado serem pertinentes e interessantes, a certo ponto alguns capítulos mostram-se repetitivos, o que torna a leitura mais maçadora e menos dinâmica em alguns momentos. E esse é, sem dúvida, um dos pontos fracos deste livro.

Para além da temática, do enredo e das personagens, a escrita deste livro também foi um dos aspetos que mais me agradou. A delicadeza das palavras encontradas pela autora transformam uma história que tinha tudo para ser um drama pesadíssimo numa visão poética sobre a vida e a morte. Durante esta magnífica viagem, o leitor é confrontado com um misto de emoções, que por vezes até se tornam contraditórias. Por incrível que pareça, este livro tem o poder de nos angustiar, entristecer e inquietar, ao mesmo tempo que nos consegue acalmar, consolar e divertir.

“A vida e a morte são grandes mistérios, e só ficamos a conhecê-los depois de passarmos pelos dois”. Esta citação retrata um dos grandes ensinamentos desta obra emocionante. Mas não se enganem, pois este não é um livro sobre a morte. Na verdade, é um livro sobre uma amizade improvável e sobre duas vidas repletas de histórias. Histórias essas que suscitam reflexões acerca da efémera passagem que cada um de nós tem neste mundo e da forma que queremos ser lembrados. No fundo, é também a história de uma menina que viveu cem anos, apesar de ter morrido com dezassete.