O professor de História da UMinho, Bruno Madeira, expôs ao ComUM as problemáticas do Holocausto na atualidade.

O dia 27 de janeiro é marcado pela comemoração do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, em lembrança do maior genocídio do século XX que matou cerca de seis milhões de pessoas. Assim, liderado por Adolf Hitler e perpetrado pela Alemanha nazi, numa onda ideológica antissemita, o Holocausto constituiu um programa sistemático de extermínio que ocorreu de 1941 a 1945. Para celebrar o dia, o ComUM esteve à conversa com Bruno Madeira, professor do Departamento de História da Universidade do Minho, que clarificou alguns pontos fulcrais, transpondo este evento para o plano atual.

O professor de história começou por clarificar que “recordar o Holocausto e torná-lo no principal acontecimento do século XX visou limpar a imagem de Israel”, imunizando-o à crítica. Na altura, “pôr em causa o expansionismo do Estado Israelita” significava enfrentar “o horror dos campos de concentração” e acusações de antissemitismo, continuou. O professor apontou que é “esta religião civil que é hoje ensinada nos manuais escolares, no cinema, na imprensa e no discurso político”. Deste modo, atualmente existe uma “filtração” das “memórias sobre o Holocausto” que tendem a apagar o papel “das vítimas: dos ciganos, eslavos, homossexuais, comunistas” e de “outros opositores políticos que definharam nos campos de detenção, concentração e extermínio”.

O docente aponta assim a visão simplista dos manuais escolares e a necessidade destes realmente problematizarem o genocídio. Para Bruno Madeira, não se trata de “minorar o que aconteceu nos campos de detenção, concentração e extermínio”, trata-se de “não apagar a origem, a identidade e os nomes de todos aqueles que perderam a vida” e de garantir que estas “não sirvam para legitimar novos ódios xenofóbicos”.

Desta forma, “os manuais escolares devem dotar os alunos de instrumentos críticos e interpretativos, que lhes permitam compreender o que foi o Holocausto”. Representando-o não como um ato isolado, mas como o “culminar de séculos de perseguição e de eliminação dos judeus europeus”.

Por outro lado, o professor não crê “que exista uma amnésia coletiva ou que o tema esteja esquecido”. Quando questionado acerca da sensibilização dos mais jovens sobre o tema, o docente afirmou que os alunos com que se vai cruzando “têm perfeita consciência do que foi o Holocausto” e manifestam “vontade de que algo assim nunca mais aconteça”. No entanto, acredita que temos estado “perante uma saturação do Holocausto que contribui para a sua despolitização e para a sua humanização”.

Para Bruno Madeira, o Holocausto “é hoje uma marca comercial com enorme valor” que se pode observar através das “novidades editoriais que vão chegando às livrarias”. “Movidos pela ambição do dinheiro fácil e das vendas avultadas, escritores com poucos pruridos reescrevem o quotidiano dos campos de concentração”, apresentando a experiência dos indivíduos como “histórias de superação, de perseverança, de sonho ou de coragem”.

Neste contexto, o docente dá um exemplo recente em Portugal com o caso mediático de José Rodrigues dos Santos. Este que, “sem quaisquer escrúpulos ou respeito pelas vítimas do Holocausto, numa entrevista à sua entidade patronal para promover o seu livro, disse que em Auschwitz existiam escolas e piscinas para uso dos prisioneiros”. Um exemplo da “exploração artístico-comercial e turística” e da banalização deste tipo de violência. Assim, para o professor, a sensibilização dos jovens passa por “continuar a frisar que o aspeto mais tenebroso e mais violento da solução final nazi passava, antes de mais, por aniquilar a humanidade dos detidos”.

Confrontado com a possibilidade de um novo Holocausto, o professor diz não defender “a ideia de circularidade da história nem a da sua repetição”. Pelo contrário, este acredita que “o que a história mostra são as permanências e as alterações de valores, de princípios e de comportamentos que se verificaram ao longo da história da humanidade”. “A pulsão para o ódio ao outro, ao diferente, parece ser uma constante” e, “os sentimentos de superioridade em relação ao exterior” são ainda uma realidade.

Portanto, segundo Bruno Madeira, existem, atualmente, “formas, potencialmente mais letais e menos criminalizáveis, aos olhos da opinião-pública mundial, de eliminar sistematicamente pessoas ou grupos indesejáveis”. O docente cita inúmeros exemplos do mundo atual, como o “genocídio de milhões de africanos, americanos, árabes e asiáticos através da miséria, da fome e da guerra” e o “genocídio que está a ser cometido sobre os migrantes que tentam desesperadamente chegar aos EUA, à Europa e à Austrália e que são recebidos com tropas de choque, arame farpado e muros de betão”.

Do mesmo modo, a União Europeia que, inicialmente, acolheu “ algumas centenas de milhares de refugiados, decidiu pagar milhões à Turquia para reter aqueles que fogem da miséria, da fome, da guerra e da morte às portas da Europa”. Também a Austrália “encerra os migrantes intercetados em alto mar em ilhas-prisão” e os Estados Unidos “separam as famílias”.

Assim, “todos têm os seus campos de detenção e de concentração de refugiados” e “todos os brindam com ordens de repatriamento”, mesmo sabendo que “o regresso aos países de origem, em muitos casos, é uma condenação à morte”. Desta forma, a “desumanização do outro não-branco, não-ocidental, e as violentas tentativas de repelir a sua miséria, a sua dor” são, para o professor de história da academia minhota, as formas de genocídio atuais e que são “praticadas abundantemente pelos países do Ocidente Global”.