Os fluxos migratórios, os atentados terroristas e a globalização são alguns dos fatores que têm impulsionado o crescimento da extrema-direita.
O crescimento de ideologias nacionalistas e de extrema-direita tem sido bastante debatido na esfera mediática, com a referência de nomes como Marine Le Pen, Santiago Abascal e André Ventura. O ComUM esteve à conversa com José Palmeira, diretor adjunto do Departamento de Ciência Política da Universidade do Minho, para compreender este fenómeno não só político, mas também económico, financeiro e social.
O docente aponta, em primeiro lugar, a acentuação da globalização com a liberalização do comércio mundial como um dos principais fatores que tem impulsionado o extremismo de direita. No seguimento, refere a crise financeira de 2008, que “teve efeitos económicos e sociais muito graves”, constituindo um momento de oportunidade para estes partidos. “Sempre que há crises, essas crises são aproveitadas por movimentos e partidos políticos que procuram tirar partido e dividendo daquilo que são as vítimas da crise e tentam atrair essas vítimas para as suas propostas, que normalmente são propostas simples para problemas complexos”, argumenta.
Com o despoletar da guerra civil na Síria em 2011, deu-se o acentuar do fenómeno migratório que perdura até à atualidade. Segundo José Palmeira, esta “pressão migratória muito forte sobre a Europa provoca um outro sentimento nalguns países e que é aproveitado por esses partidos”, cuja estratégia passa por “culpar os imigrantes pela situação económica, pelo aumento do desemprego e até, nalguns casos, por problemas no domínio da segurança”.
Tendo o início do século ficado marcado pelo ataque às Torres Gémeas, o docente ressalta também o terrorismo global como um dos fatores que têm fomentado o nacionalismo. “Esses partidos aproveitaram, muitas vezes, para responsabilizar os migrantes islâmicos como estando na origem desse tipo de acontecimento”, acrescenta. Assim, considera que existe “um contexto favorável a esse tipo de mensagem, que apresenta como solução o nacionalismo face à globalização”, em que o mote “é fechar as fronteiras e não as abrir”. Contudo, José Palmeira ressalva que a extrema-esquerda também tem beneficiado deste contexto, referindo, como exemplo, o caso da Grécia, em que o partido Syriza chegou a ser o mais votado nas eleições de 2015.
Utilizando o exemplo português do partido Chega, o professor de Ciência Política explica que os média têm também responsabilidade neste fenómeno. “A comunicação social dá uma cobertura muito superior a um partido que tem um deputado do que dá a partidos que têm um grupo parlamentar muito mais expressivo”, constata. Porquê? O docente explica que “ao ter afirmações que chocam a maior parte pessoas, o partido é notícia”.
Em paralelo, José Palmeira realça “o fenómeno das redes sociais”, que tem dado aos partidos “uma capacidade de influência muito maior na sociedade”. Esta realidade é também apontada por Cátia Moreira de Carvalho, investigadora na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e especialista na Radicalisation Awareness Network da Comissão Europeia, num ensaio publicado no jornal Setenta e Quatro. Referindo que “a extrema-direita tem sido fértil em radicalizar e recrutar pessoas cada vez mais jovens”, a investigadora enuncia a utilização das plataformas digitais como um catalisador de narrativas extremistas. Cátia Moreira de Carvalho vai mais além e refere que, com o isolamento provocado pela pandemia da Covid-19, os jovens voltaram-se para “o mundo virtual e o caminho para o acesso a conteúdos extremistas online ficou mais curto”. A investigadora faz também referência ao relatório anual da Europol para afirmar que “as pessoas detidas por planeamento de ataques de extrema-direita são cada vez mais novas”, estando muitas vezes “ligadas a redes virtuais transnacionais”.
“O crescimento da extrema-direita na Europa pode ser conjuntural”
Apesar de tudo, o docente José Palmeira acredita que “o crescimento da extrema-direita na Europa pode ser conjuntural”. Isto porque “os últimos resultados eleitorais apontam para um decréscimo da influência dos partidos extremistas”, argumenta. No momento em que estes partidos têm “a possibilidade de exercer ou influenciar o poder, normalmente, saem-se mal”. “Eles têm um discurso antissistema e, a partir do momento em integram o sistema, verifica-se que não são tão diferentes dos outros”, explica.
Deste modo, afirma que “é melhor ter estes partidos abertamente no campo político do que ostracizá-los e impedi-los de participar”, porque, na realidade, “eles alimentam-se desse tipo de atitudes por parte do Estado”. Como exemplo, o professor refere o caso italiano de Matteo Salvini com o partido Liga, que ao “tentar provocar eleições que alegadamente favoreciam o seu partido”, o político rompeu com a coligação em que estava e “acabou por não beneficiar da situação”. Na mesma linha, apresenta o exemplo de Donald Trump, que perdeu as eleições, e de Jair Bolsonaro que, “segundo as sondagens, é provável que não seja reeleito no Brasil”. Também no Parlamento Europeu, nas últimas eleições, “a extrema-direita teve um resultado ainda significativo, mas não teve o crescimento que se previa”, acrescenta. Assim, José Palmeira acredita que “se calhar é a própria democracia que está a fragilizar esses partidos”.
Da mesma forma, aponta que a pandemia, ao contrário do que os especialistas previam, “está a fortalecer aqueles partidos, normalmente, ditos do sistema e que valorizam o papel do Estado”. Segundo José Palmeira, isto acontece porque o Estado e os serviços nacionais de saúde têm sido “fundamentais” no combate à crise sanitária, tanto pela prestação de serviços médicos, como pelo acesso a apoios sociais.