A nova longa-metragem da Netflix parecia, à primeira vista, apenas mais um cliché de entre os vários a que estamos habituados. No entanto, o filme lançado a 24 de novembro carrega em si uma grande complexidade de temáticas de cariz social e familiar. Ao longo da longa-metragem, esbarramo-nos fortemente contra as dificuldades da reinserção social de uma ex-presidiária.

Indesculpável leva-nos a acompanhar o quotidiano duro e frio de Ruth Slater (Sandra Bullock), logo após a sua libertação da prisão. Ruth esteve presa durante 20 anos por homicídio de um polícia, crime que a condenou não só à perda da liberdade, mas também à perda de uma posição em sociedade. Acompanhamos a tentativa de trabalhar, de construir amizades, e de reaver pessoas: tudo em vão. Isso é visível tanto no trabalho custoso que consegue como nas condições precárias em que habita.

Ruth, enclausurada pelos estigmas sociais, encontra-se a viver unicamente no sentido de reaver a irmã, Katie (Aisling Franciosi), que foi obrigada a deixar para trás durante tantos anos. No entanto, toda a estrutura social constitui um obstáculo quase impossível de derrubar, que não possibilita o contacto com a irmã mais nova. Mesmo assim, acompanhada pelo agente de condicional, resgata as forças que foi perdendo ao longo dos anos para lutar contra o sistema. Procura definir um lugar na sociedade com vista a encontrar Katie.

O quotidiano da ex-presidiária é narrado acompanhado por analepses constantes, que priorizam pequenos pormenores da relação entre as duas irmãs, 20 anos antes do momento presente. Há um contraste intenso na coloração e luminosidade das cenas nos diferentes tempos. O presente é carregado de cores frias, pouca luminosidade, sendo marcado pela noite. Já o passado ganha forma através de cores quentes e aconchegantes, relacionadas com o toque e a expressão facial.

Ruth é uma personagem com a alma absorvida pela dureza da vida. Essas características são-nos transmitidas pela interpretação brilhante da estrela Sandra Bullock. A atriz representa uma mulher com cicatrizes internas carregadas de sofrimento e de trauma, que foram ganhando peso ao longo do cumprimento da pena. Vemos uma pessoa distante, fria, magoada e, sobretudo, uma pessoa cuja existência se resume a um único objetivo.

Do outro lado, a família do polícia que foi morto no passado encara a dificuldade de uma perda familiar. Representa o ódio e a sede de vingança, desenvolvidos pela dor da morte. Os irmãos Whelan, filhos da vítima, passam para o espectador a realidade de um interior totalmente desequilibrado, que se revela em termos sociais e familiares. Quanto maior é o ódio e a mágoa em cada um dos dois irmãos, maior é a instabilidade e a queda das suas vidas. É difícil para o espectador acompanhar também toda essa dor.

Apesar de toda a tensão a que a obra cinematográfica nos sujeita, é inegável sentir a ligação entre as duas irmãs, mesmo que essa esteja escondida e perdida pelo caminho. Desta forma, é essa forte ligação que transmite a esperança necessária para nos manter agarrados à história e às duas personagens em volta da qual esta se desenrola. Na verdade, o amor é o sentimento que resta a Ruth, e é o sentimento que move Katie, mesmo que inconscientemente.

Apesar de Indesculpável conter uma porção de espectável, não perde a intensidade por isso. Além de apresentar um grande plot twist, provoca sentimentos fortes em quem vê, criando um turbilhão de tensão e de medo. Essas emoções atingem uma fração de segundos na qual instantaneamente se pode respirar fundo. A obra cinematográfica transborda beleza ao espelhar que não há nada no mundo mais forte do que a saudade e, sobretudo, mais forte que o amor.