A 18 de novembro de 2021 foi lançada uma cinebiografia sobre Richard Williams. O filme de Reinaldo Marcus Green sobre esta figura enigmática, pai de duas das maiores tenistas de todos os tempos, conta uma história de superação e sucesso contada de uma forma peculiar e com performances de elite.
Desta forma, seria de esperar que uma obra cinematográfica sobre Serena e Venus Williams tivesse o seu foco principal nestas duas estrelas. Contudo, os holofotes vão para o pai das jovens, Richard Williams (Will Smith). Este homem está disposto a enfrentar tudo e todos para que as filhas saiam do bairro de Compton. Aliás, antes sequer de as ter, já ambicionava fazer delas as maiores estrelas do ténis, desporto este que era tipicamente associado a homens brancos e ricos.
Através de um planeamento exaustivo e de treino intensivo, faça chuva, faça sol, a longa-metragem segue o percurso das raparigas. Entre as duas, é dado mais foco a Venus (Saniyya Sidney), que iniciou a sua carreira mais cedo por ser mais velha. Por sua vez, Serena Williams (Demi Singleton) vai vendo os passos da irmã, na sombra, sabendo nós que, um dia, chegará a vez dela e tornar-se-á a maior tenista de todos os tempos. O filme prima, também, por isto. Em vez de nos darem uma estória focada na maior celebridade, contam-nos a estória através do seu treinador/ pai e da sua irmã como prenúncio do que um dia chegará a Serena. Nesse sentido, é, de facto, original.
A mensagem de The King Richard – Para Além do Jogo é, igualmente, bastante interessante. Talvez, do alto do privilégio, não paremos todos os dias para pensar nas consequências do racismo estrutural. Ainda assim, mesmo que o façamos, se não o vivermos, estamos longe de entender que essa realidade consegue atacar todos os pontos da vida. Inclusive o desporto e o acesso a condições de treino e jogo para que, um dia, se faça deste uma profissão. A reflexão sobre este tema é dos pontos mais bem elaborados neste filme.
O elenco foi outro dos pontos fortes. As duas jovens, Saniyya Sidney e Demi Singleton, fazem papéis convincentes e de aquecer o coração. Contudo, o grande aplauso vai para Will Smith. O seu papel está, de facto, muito bem executado. Conseguimos, como com uma pessoa real, gostar e desgostar da personagem em segundos, várias vezes. No entanto, é ligeiramente notória a “caça ao Óscar” para Smith, tendo este ator monólogos exageradamente dramáticos de 10 em 10 minutos.
Alicerçado ao excesso de dramatismo, que não foi a melhor decisão, há, ainda, outro problema. Este problema não se prende com nada que tenha sido feito, mas sim com o que não foi. Apesar de pegar no pai de duas das maiores tenistas de sempre para contar a sua história, ser algo diferente e original, a sua execução acabou por mostrar, um pouco, o sucesso delas apenas como uma consequência do planeamento do pai. Já é difícil ser uma mulher no mundo, muito mais uma mulher preta no desporto. Talvez um filme que se foque na figura paternal como origem do sucesso não seja a opção mais empática. Para além disso, alguma pesquisa sobre Richard Williams rapidamente nos faz esmorecer a ideia criada pelo filme, ficando nós a conhecer aspetos muito mais moralmente duvidosos sobre o homem e o que foi contado na estória.
Ao nível dos aspetos mais técnicos, a longa-metragem está muito bem conseguido. Os cortes são os necessários e a paleta de cores está escolhida com inteligência. A recriação de cenas reais está impressionante, ao nível do guarda-roupa e dos movimentos das personagens. Não obstante, a minha atenção perdeu-se toda com a banda sonora, mais concretamente com a música feita por Beyoncé para esta obra cinematográfica. “Be Alive” é uma obra incrível por si, mas enquanto acompanhamento do filme ganha outra dimensão. Avizinha-se uma luta renhida pelo Óscar, juntamente com “No Time to Die” e “We Don’t Talk About Bruno”.
King Richard – Para Além do Jogo é uma longa-metragem de superação e que aproveita para nos abrir os olhos sobre o racismo estrutural. Apesar de aspetos técnicos de qualidade e performances forçadamente dignas de Óscar, a obra cinematográfica falhou ao escolher o que fazer e a quem dar crédito. Ainda assim, serve bem o seu propósito de entreter e de nós dar uma nova música preferida e, apesar da intenção demasiado clara, a performance de Will Smith é digna de atenção.
Título Original: King Richard
Realização: Reinaldo Marcus Green
Argumento: Zach Baylin
Elenco: Will Smith, Saniyya Sidney, Demi Singleton
EUA
2021