A pandemia fez aumentar significativamente o número de pedidos de ajuda.

Segundo dados oficiais, 8.107 pessoas encontravam-se na condição de sem-abrigo, no início de 2020, em Portugal. Com o início da pandemia, os pedidos de ajuda multiplicaram-se. Contudo, várias organizações comunicaram à agência Lusa que, atualmente, o número de pessoas nessa situação estabilizou e aproxima-se da realidade pré-pandemia.

Henrique Joaquim, coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), adiantou à Lusa que acredita numa tendência decrescente destes valores. Disse ainda que, embora o problema não esteja resolvido, o aumento de vagas em projetos housing first ou apartamentos partilhados sugere uma melhoria gradual da situação. O coordenador recusou, porém, quaisquer contabilizações até conhecer os dados de 2021. No entanto, verifica-se uma maior concentração de pessoas sem-abrigo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como em centros urbanos do litoral e em algumas zonas do Algarve. A maioria das pessoas nesta condição são homens em idade ativa.

Nuno Jardim, diretor-geral do Centro de Acolhimento de Sem-Abrigo (CASA), declarou à Lusa que “apareceram pessoas com características novas, muito mais estrangeiros, pessoas que trabalhavam na hotelaria, por exemplo, e que ficaram desprovidas de apoios e foram à procura de ajuda noutros locais”. O responsável contou ainda que, ao longo dos últimos dois anos, evidenciou-se um aumento de cerca de 40% em pedidos de ajuda à associação, sobretudo vindos de famílias. Além disso, aumentaram os pedidos de ajuda por parte de reclusos.

O diretor-geral explicou que muitas dessas pessoas já viviam em situações de habitação precária previamente. Em alguns casos, podem ser considerados “sem-abrigo com teto”, tendo em conta que vivem numa casa ou num quarto, mas “muitas vezes é o mesmo que estar na rua porque não tem as condições para poderem ter uma vida minimamente digna”.

Quanto às famílias que procuraram o CASA, Nuno Jardim revelou que grande parte das pessoas que perderam o emprego – que, muitas das vezes, já era precário – sentiram falta de apoios. A alimentação e o pagamento de despesas fixas – como a água, luz ou renda de casa – foram as principais preocupações das pessoas.

A organização CASA apoia atualmente cerca de sete mil pessoas em todo o país, das quais 2.500 se encontram em condição de sem-abrigo. Nesse sentido, o diretor-geral acredita que o desenrolar da situação vai depender daquilo que “o país consiga fazer em termos socioeconómicos e não da pandemia”, admitindo que a Estratégia Nacional tem funcionado.

Em contrapartida, Susana Veiga, assistente social da Legião da Boa Vontade (LBV), disse que o número de pessoas sem-abrigo apoiado pela instituição se manteve constante nos últimos dois a três anos. Contudo, aumentou a procura por parte de famílias, sobretudo a nível alimentar e despesas fixas. A assistente contou que chegam, todos os dias, entre três e quatro pedidos de ajuda, situação que veio a agravar desde o início de 2020. A responsável apontou a pandemia como principal causa do aumento da precariedade. Ela sublinhou que, com o confinamento e a economia fechada, muitas pessoas já em situações de vulnerabilidade e em precariedade laboral acabaram por ficar sem abrigo.

Renata Alves, diretora-geral da Comunidade Vida e Paz, partilha da mesma opinião e acrescentou que o número de pessoas sem-abrigo ronda atualmente o mesmo valor registado antes da pandemia. “Neste momento podemos falar que estamos quase como no início em termos de pessoas que apoiamos e acompanhamos”. Em março de 2020, a associação passou de cerca de 420 para 800 ceias distribuídas pelas ruas de Lisboa, devido à crescente carência por pessoas sem-abrigo, refugiados, reclusos e “pessoas que vieram à procura de melhores oportunidades na cidade de Lisboa e que isso depois não aconteceu”.

Pandemia provocou situações temporárias

Segundo Henrique Joaquim, está a ser desenvolvida a recolha de dados atualizados sobre o número de pessoas sem-abrigo. Por isso, considera prematuro fazer previsões, por agora. “Precisamos efetivamente de olhar e ter os dados de 2021 e só em função disso falar com mais rigor da pandemia como causa num movimento qualquer que ele seja do fenómeno”, afirmou. Admitiu, contudo, que os dados recolhidos podem ainda não refletir o impacto da pandemia e da consequente crise económica.

O responsável explicou que alguns casos de necessidade podem ter sido confundidos e, por isso, contabilizados como casos de sem-abrigo. Por exemplo, pessoas que ficaram temporariamente sem abrigo devido a um perfil específico, normalmente ligadas a hotelaria e turismo, com trabalhos e condições de habitação precários. “Essas assim que tiveram oportunidade de emprego saíram da condição de sem-abrigo”. Henrique Joaquim salientou ainda o aparecimento de pessoas a viver na rua em determinados sítios “porque há zonas que é sazonal”, influenciado pela mobilidade.

Henrique Joaquim afirmou que os objetivos da estratégia nacional vão continuar a ser os mesmos. O responsável destacou que a meta é ter entre 1.000 e 1.100 vagas protocoladas para pessoas sem-abrigo em soluções housing first ou habitação partilhada e que, atualmente, está a meio da meta. De acordo com o coordenador, há uma taxa de 80% de ocupação dos protocolos, com cerca de 500 pessoas sem-abrigo, dispersas pelo país. Reforçou ainda que os apoios a projetos de intervenção social vão continuar a ser reforçados.