Lentamente se desmontam as personagens e as misteriosas colinas do Montana desvendam as suas verdadeiras formas. A vida no velho Oeste é morosa e rotineira, mas Jane Campion pinta uma paisagem que esfumaça o clássico dos westerns, dos cowboys e das criações de gado, transformando-a numa metáfora sobre O Poder do Cão: a hegemonia da masculinidade tóxica. A longa-metragem chegou à Netflix a 1 de dezembro de 2021.
Os vastos terrenos de pasto deserto, cercados pela imensidão das montanhas banhadas pela luz do Montana, são o retrato ancestral dos westerns. A nova longa-metragem da Netflix dá-nos o cenário clássico, captado numa fotografia fenomenal, bem como o típico cowboy protagonista: um homem destemido e intimidante, experiente e conhecedor da terra. A figura que concentra toda a masculinidade é encabeçada por Benedict Cumberbatch e chama-se Phill. Ao lado do seu irmão George (Jesse Plemons), indulgente e tímido, faz criação de gado no rancho que ambos possuem.
Contudo, a vida estável e laboriosa que o implacável Phill leva é, na verdade, abalada pela chegada de dois novos membros à família. A frescura do recém-noivado do seu irmão traz consigo uma névoa que abomina os costumes conservadores do rancheiro. A partir do momento em que a viúva Rose (Kristen Dunst) e o seu filho Peter (Kodi Smit Mc-Phee) surgem na fotografia, a moldura quebra-se.
Só a meio do filme é que a realizadora nos limpa o rosto dos grãos de areia que havia lançado. Após uma construção minuciosa de cada personagem, chega a hora de as desconstruir em segredos passados, guerras presentes e tragédias futuras. Neste instante, O Poder do Cão deixa de ser mais uma recriação dos filmes do velho Oeste e passa a evocar a dualidade do caráter masculino. Enquanto que Phill personifica um másculo autoritário, Peter carrega a sensibilidade humana, faz flores de papel e é delicado nos seus movimentos. O cenário do rancho isolado torna-se meramente um quadro agreste estético, com planos abertos que montam uma palete de cores torradas. A obscuridade vem com a sequência de acontecimentos que, como num tabuleiro de xadrez, vai derrubando peças.
Jonny Greenwood completa o ambiente já criado visualmente com uma trilha sonora arrepiante. Os temas que espelham tensão e clausura são muito distintos das tradicionais melodias de cowboys, que agitam os ouvidos à ação e aventura. O músico cria mais um dos fatores que contribuem para o distanciamento do género convencional de westerns. Para aqueles que desconhecem os hábitos de Jane Campion e o conteúdo do livro que despoletou a obra cinematográfica, nem os seus primeiros minutos nem a sinopse profetizam a caixinha de surpresas que se converte.
Adensar na narrativa de O Poder do Cão é escutar o rosnar do predador que ataca no deserto árido. O cão que persegue as presas frágeis e amedrontadas exibe os largos dentes a quem afronta o escudo que lhe é mais sagrado, a brutalidade. Sobre si, um poder que lhe acorrenta a vida, que o obriga a ser macho. Estamos perante uma obra cinematográfica que revoluciona o estilo western.
Título Original: The Power of the Dog
Realização: Jane Campion
Argumento: Jane Campion, Thomas Savage
Elenco: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst, Jesse Plemons
Inglaterra, Estados Unidos
2021