Saída da mente de Joachim Trier diretamente para as salas de cinema, a obra cinematográfica A Pior Pessoa do Mundo chegou a Portugal a 10 de fevereiro. A comédia dramática norueguesa está nomeada para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Argumento Original.

A Pior Pessoa do Mundo é um daqueles casos em que a ficção se aproxima tanto do real que é difícil imaginar a existência de guiões e câmaras. Durante os seus 128 minutos, que incluem 12 capítulos, bem como um epílogo e um prólogo, uma geração inteira revê-se em pelo menos uma cena da vida de Julie, a protagonista.

“Uma espectadora da própria vida” é como Julie se sente na passagem para adulta. A pressão de um futuro promissor, de uma carreira de sucesso, de independência financeira e estabilidade emocional obrigam-na a seguir o caminho que é “suposto”. Sem forma de controlar as próprias decisões, mergulha no pânico do fracasso, da frustrante e confusa busca pela realização profissional, do conforto de uma relação amorosa duradoura, mas da ânsia por novas experiências. Julie, a indecisa e instável a quem todos dizem que já está na hora de engravidar, de “assentar na vida” e de ter uma carreira construída, que tem de conter sentimentos e manter tudo sob controle, somos nós, a nossa irmã, a nossa melhor amiga, a nossa vizinha, a nossa geração. Os erros, sonhos, desejos, urgências, contradições, inquietações e amores da personagem são os mesmos que os nossos.

O sentido de humor da longa-metragem não rouba espaço à reflexão, pelo contrário, até a estimula. O mesmo sucede com os momentos que decorrem no subconsciente de Julie, como quando esta congela as pessoas que partilham consigo o mundo, em paralelo com as cenas mais sérias e realistas. Assim, a história oscila entre o poético e o onírico e entre o realismo do quotidiano, entre o humor e o melodrama. O que começa com risos e diálogos divertidos, acaba muitas vezes em angústia e ansiedade.

 

Renate Reinsve (Julie) consegue personificar uma geração inteira e mesmo assim manter a sua singularidade humana. A naturalidade com que representa expande-a e transporta-a para além do ecrã. Faz-nos pensar que vamos sair de casa e encontrar Julie na rua, no meio de tantos outros rostos comuns que levam vidas inquietas. Nos seus diálogos diz aquilo que queremos proferir, mas que está sempre preso como um nó na garganta.

Assim, são infinitas as vezes em que nos sentimos as piores pessoas do mundo. Martirizamo-nos tanto pelas decisões mal tomadas, como pelas que não chegaram a serem concretizadas. A autodescoberta, apesar de ser um processo lento, coabita com um mundo agitado, que nos esmaga contra a parede e nos obriga a pensar demasiado rápido, a sentir demasiado pouco. Por isso, tal como Julie, todos nadamos contra a corrente, uns mais devagar que outros, porém sempre com o objetivo de chegar a terra firme. Em A Pior Pessoa do Mundo, somos todos nós que, presos nas realidades individuais, sentimo-nos um tsunami pronto para devastar o que nos rodeia.