São detetados anualmente, em Portugal, cerca de sete mil novos casos de cancro da mama.

O acompanhamento psicológico e psiquiátrico de doentes oncológicos existe, mas nem sempre se estende a todos. É nos grupos de apoio emocional que alguns encontram formas de lidar com o cancro e respetivos tratamentos. Treze mulheres com cancro da mama juntaram-se, em 2016, para criar um destes grupos: as Amigas do Peito.

A Rua General Humberto Delgado é uma das mais movimentadas de Fafe. Se, de um lado, a farmácia do Sr. Fernandes Castro zela pela saúde dos transeuntes, a confeitaria Shake, do outro lado, é responsável por adocicá-los. É-se invadido pelo calor dos fornos-velhos antes mesmo de atravessar as grandes portas vermelhas que guardam os croissants mais conhecidos da cidade minhota. “Quero dois mistos e dois com chocolate”, ouve-se. Sentados e rodeados de prateleiras com produtos artesanais, os mais idosos leem os jornais, enquanto os mais novos riem freneticamente.

Cármen Sampaio, advogada de 51 anos, Sofia Lopes, empresária de 47, e Alexandra Ferreira, a dona do estabelecimento, de 39 anos, estão sentadas na mesa do fundo, como é habitual. É a mesa das Amigas do Peito. Um dos pontos de encontro de treze mulheres unidas pela doença. “O que me liga a estas meninas é termos tido contornos similares, termos algo em comum, cancro da mama”, afirma Cármen.

Se excluirmos o cancro da pele, o cancro da mama é o tipo de neoplasia mais comum entre as mulheres e a segunda causa de morte por cancro, neste grupo. Quando detetado precocemente, o cancro da mama apresenta taxas de cura acima de 90 por cento. Entre 2000 e 2017, o cancro da mama foi o quinto mais mortífero, em Portugal.

A história de Alexandra desafia qualquer estatística. Aos 33 anos foi diagnosticada com a forma mais agressiva e mortal de cancro da mama, o triplo negativo. Este tipo de cancro representa 15 por cento de todos os cancros da mama e não responde a tratamento hormonal. Milhares de mulheres de todo mundo estão de olhos – e esperança – postos na primeira vacina contra o cancro da mama triplo negativo testada em humanos, com primeiros resultados previstos ainda para este ano.

O tratamento de Alexandra não incluiu este ou outros tratamentos inovadores. Resumiu-se a 16 sessões de quimioterapia e 32 sessões de radioterapia. “O caso da Alexandra é de muito sucesso”, diz Sofia. “Há uns tempos, tive uma consulta com o médico que nos acompanhou e depois me de perguntar pela ‘Xaninha’, confessou-me que nunca pensou que ela conseguisse vir a ser mãe”. A filha de Alexandra fez dois anos, em outubro.

Sete meses, sete centímetros

“Fui à esteticista fazer a depilação para ir de férias e foi aí que notei qualquer coisa de estranho [no peito]”, relembra Alexandra, enquanto ajeita o vaso de flores vermelhas que combinam com o seu quispo. Foi durante as férias que conheceu um grupo de enfermeiras que a aconselhou a fazer exames. Assim fez.

“Quando voltei de férias, fui à médica de família. Mandou-me fazer uma ecografia que acusou benigno. Tinha nódulos, mas eram benignos”. Não convencida, a médica de família encaminhou Alexandra para uma consulta no Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães. “A consulta na médica de família foi em julho e eu só fui a Guimarães em novembro”, acrescenta.

A par da dor, Alexandra sentia o nódulo crescer, mas recorda estar sempre muito tranquila. “Confiei no resultado da ecografia”. Classifica o acompanhamento no Hospital Senhora da Oliveira como negligente por nunca lhe ter sido recomendada a realização de uma biópsia. Trata-se de um exame invasivo útil para, entre outros, identificar a presença de células cancerígenas nos tecidos. “O médico palpou-me e disse-me para não me preocupar, era apenas um quisto que precisava de ser removido. Explicou-me que ia receber uma carta em casa e eu fui embora toda contente”.

Alexandra só viria a ser operada em fevereiro, sete meses depois da primeira consulta com a médica de família. “Só tenho operação no ambulatório – que é uma coisa ridícula de se dizer, tirei um tumor no ambulatório – em fevereiro. Por isso é que [o tumor] media sete centímetros. Não são sete milímetros. Sete centímetros”. Ainda sem diagnóstico concreto e depois de uma operação demorada, Alexandra relembra estar sempre muito tranquila, “completamente alienada”.

“Estive no recobro de quarta a sábado e foi na segunda-feira seguinte que recebi a notícia”. Dado o estado avançado da doença, Alexandra viu-se obrigada a tomar um conjunto de decisões que definiriam o rumo da sua vida dali em diante.

“Como o tumor estava muito grande, eu tive de resolver tudo muito rápido”. Foi confrontada com a possibilidade de não poder vir a ter filhos. Congelar óvulos era uma opção, mas o processo atrasaria a quimioterapia “que devia ter começado muito antes”.

Alexandra avançou com os tratamentos dez dias depois de saber que estava doente. Confessa ter-se sentido muito desorientada e procurou ajuda em Sofia, que já tinha ultrapassado um cancro da mama. “Desde esse momento, ela nunca mais me largou. Foi o meu braço direito durante todo o processo e a ela lhe devo muito para toda a minha vida”.

Da “galhofa” da sala de tratamentos para as galas solidárias do IPO

Do laço criado entre Sofia, sobrevivente de cancro da mama, e Alexandra, que passava pelos tratamentos de quimioterapia, viria a nascer um grupo de apoio emocional ao qual chamaram Amigas do Peito. “A Sofia acompanhou-me nos tratamentos durante 16 semanas. Começamos a conhecer outras senhoras que também estavam a fazer quimioterapia, umas quase a terminar, outras no início”.

O companheirismo que viveram na sala de tratamentos permitiu atenuar a degradação emocional que os tratamentos por quimioterapia provocam. “Não custou tanto porque era uma galhofa fenomenal”, recorda Alexandra.

As Amigas do Peito são treze mulheres com percursos de vida e contextos muito diferentes. Partilham o facto de terem sobrevivido ao cancro da mama, mas também “a forma de pensar”. “Interiorizámos que tudo é possível”, admite Cármen.

Têm como principal missão a partilha das suas histórias de superação e o apoio a mulheres doentes. “Atualmente, por causa de uma outra amiga que está a passar pela mesma situação, tenho lá ido [ao IPO] duas a três vezes por semana. Tenho revivido novamente todo o processo. O que me conforta é saber que estou a ajudar.”

A história deste grupo de apoio emocional transcende salas de tratamento, hospitais e mesas de jantar. Já marcaram presença em duas Galas Solidárias do IPO Porto, como exemplo vivo de sucesso médico, mas também psicológico e emocional.

“Acho que é bom falar, alertar, trocar ideias, partilhar as nossas histórias de vida, que são parecidas com as de milhares de pessoas”, lembra Cármen. A advogada preocupa-se com as mulheres que, devido à pandemia de Covid-19, não foram devidamente avaliadas e acompanhadas. “É muito triste saber que há mulheres que vão morrer por falta de diagnóstico e por falta de tratamentos”.

Quase 150 mil mulheres não fizeram mamografia nos últimos dois anos e 1.800 cancros da mama terão ficado por identificar durante a pandemia, revelam dados do Movimento Saúde em Dia. Ou seja, em sete pessoas, uma tem cancro da mama e não sabe, como destaca o bastonário da Ordem dos Médicos, que faz parte deste movimento.

As Amigas do Peito sentem-se privilegiadas por terem acesso contínuo a cuidados de saúde. Mas não só. “Somos privilegiadas por termos acesso a cuidados estéticos”, aponta Cármen. “Eu aprendi a fazer sobrancelhas quando não as tinha. Aprendi a dar cor à pele quando estava pálida. Quer dizer, aprendi a cuidar de mim”.

Apelam à partilha deste tipo de aprendizagens entre as mulheres e realçam a importância da sororidade. “A mama é o símbolo da feminilidade. Nós podemos, em conjunto, arranjar alternativas, trocar sugestões. ‘Ai, esta prótese é muito boa, aqueles sutiãs são muito bons’. Nesse sentido, a união faz a força e a diferença”.

A Liga Portuguesa Contra o Cancro promove o apoio emocional na maioria dos seus serviços. Reconhece a sua expressão máxima em “grupos de auto e entreajuda, constituídos por sobreviventes de cancro que oferecem o seu apoio em regime de voluntariado”.

É isto que fazem as Amigas do Peito. Movidas por um sentimento comum: a fé. Fé que decidiram imortalizar com uma tatuagem que todas possuem. Continuarão a juntar-se na mesa do fundo da confeitaria Shake para, juntas, celebrarem a vida. A vida que as juntou e dificilmente separará.

Artigo atualizado no dia 15 de fevereiro, pelas 19h32