Lançado no dia 10 de dezembro de 2021, Fighting Demons faz renascer o legado intemporal de um dos maiores artistas da indústria musical deste milénio. Reúnem-se artistas de prestígio como Justin Bieber, Polo G, Trippie Redd e SUGA do grupo BTS, mas não são as colaborações que elevam o projeto discográfico. O poder nuclear e magnificente de Juice WRLD enaltece esta composição melódica emo rap ao desmistificar emoções ocultas diante os holofotes.

A mestria lendária do músico e compositor norte-americano foi desvendada logo nos primeiros anos de idade. Música é o curativo e o púlpito de todos os sentimentos – e para Juice nunca foi diferente. Jarad Anthony Higgins começou a carreira, em 2015, com uploads experimentais no SoundCloud. Desabafos improvisados sobre vulnerabilidades na infância, os traumas envolvidos e sonhos em Hollywood iniciaram o seu labirinto lírico de êxito.

De pequenas mixtapes, ao primeiro álbum de estúdio de imediato sucesso, Goodbye & Good Riddance (2018), o rapper de Chicago alcançou o pódio para além da comunidade hip-hop. De forma inesperada, perdeu a vida com 21 anos após uma overdose trágica a 8 de dezembro de 2019. Contudo, a discografia do artista mantém perene a sua ode infinita de positividade. Com inúmeras certificações de ouro e multiplatina, Juice WRLD conquistou um tremendo impacto na indústria em menos de dois anos e continuará presente a inspirar mais gerações.

Após vários anúncios e revelações exclusivas, a gravadora liderada pelo rapper e manager, Lil Bibby, descortinou a estreia do segundo disco póstumo ao publicar um trailer com um dos motes eternos de Juice: “You are not your struggles. Addiction, anxiety, depression do not define you”. Esta produção musical pertence também à banda sonora do documentário HBO de tributo ao artista, Into The Abyss (2021).

“Burn” é a primeira faixa do álbum e reflete o talento imortal aliado à confluência de pensamentos que circulavam na mente de Juice WRLD. Uma introdução celestial e impetuosa. Acompanhado por uma melodia sintetizada interminável, não há melhor forma de iniciar este projeto discográfico. O artista reconhece a angustiante e trágica adição por narcóticos e confessa a premonição transcendente do infortúnio que se aproximava: “I pray to God for some water to wash down these percs/I been cursed since birth, guess I never learn”. Com uma performance notável no primeiro lugar na tabela mundial Apple Music, o videoclipe retrata todas as trevas, desordem e sufoco diários do rapper. No íntimo da rebelião de sentimentos, o cenário complexo é uma simples metáfora do abismo etéreo de Juice.

Segue-se o single promocional de estreia, publicado três semanas antes do lançamento oficial do disco. “Already Dead” dá continuidade ao ambiente disruptivo, inclusive, ao revelar sentir-se insociável e remoto do envolvente (“Have you ever been so alone?/That nobody’s house feels like home”). Assombrado por memórias e sensações alucinantes, a composição lírica trap ecoa as vozes distópicas que rondam Juice. As notas fortes de piano e o tom intimista e ríspido condizem com as adversidades ilimitadas, suportadas pela conexão próxima e emocional com os fãs: “I’m only here for popular demand/I’m staying alive for the fans”.

Por instantes, “Wandered To LA” relembra sonhos de estrelato fantasiados que se tornaram realidade. Com um bass impactante, Justin Bieber acrescenta a clássica perspetiva romanceada. Ainda assim, este tema regressa a uma visão mais obscura que se funde com “Rockstar In His Prime” e, em especial, “Doom”. São narrativas pintadas com episódios traumáticos cada vez mais densos e de tonalidades mais graves. Apesar do crescente espólio imperial, o rapper prefere antecipar o desfecho da sua vida para evitar um eventual novo trauma amoroso.

Quase como um interlúdio, “Go Hard” é a oitava faixa do projeto. Embalado por sinos e acordes melódicos intensos e tortuosos, Juice retifica o enredo de desalento e declara o amor que tem pela parceira como um refúgio. Isto também acontece no seu último projeto em vida, Death Race For Love (2019). Estas harmonizações reverberadas interligam-se com o instrumental acústico enérgico e apaixonado de “Not Enough”. O artista assume a dependência da companhia e suporte emocional permanente do par (“I need you to make it through”).

Por entre lembranças prematuras, reflexões e gratidão, o ouvinte é surpreendido por momentos sem filtros e informais de Juice WRLD, da mãe do artista e até do rapper Eminem. Esta construção estilística é comparável ao seu primeiro álbum póstumo, Legends Never Die (2020). Estas faixas com excertos de entrevistas e confissões no estilo Freestyle, tão dominado por Juice, comprovam a sua graciosidade artística.

Numa melodia sombria e sepulcral, “Juice WRLD Speaks 2” é um dos exemplos, no qual expressa o impacto de experiências tóxicas do passado. Ascende com o reconhecimento do seu sucesso, mas desvia essa energia ao partilhar o presságio de efemeridade térrea (“I gotta admit myself, I’m on these drugs feel like I can’t save myself/ (…) Nobody ever felt the pain I feel, so share it”). São, na verdade, instantes comoventes para os fãs num registo soturno, de autodescoberta e transparência.

Uma nova sonoridade analógica e enigmática emerge a partir da faixa 14. “Everybody got they demons, everybody got they vices” é uma das mensagens principais de “Until The Plug Comes Back Around” e resulta no tema principal do disco. Aliás, o título deste projeto, Fighting Demons, é, também, o nome de uma das músicas do projeto anterior que aprofunda este universo aprisionado. Dá a mão e o abrigo protetor em frequências sonoras eternas.

“Girl Of My Dreams” apresenta a magia e o deslumbre do imaginário amoroso, o que reverte a tendência prévia com a riqueza e abrangência vocal de Juice. A popularidade desta música deve-se à participação de SUGA, um dos membros do grupo k-pop BTS. Apesar de inesperada para muitos, esta não é uma colaboração de estreia. No verão de 2019, o tema “All Night” foi divulgado na banda sonora de um jogo da banda e interliga o génio musical de Juice numa melodia ritmada, divertida e viciante.

Suave e hipnotizante, “Feel Alone” expõe um estado de distúrbio, sobreposto pela solidão e ausência de perceção temporal, na infinidade dos obstáculos vividos. Talvez, por isso, o instrumental deste tema seja incorporado em loop. Enclausurado na sua mente, Juice reconhece a dedicação dada para o seu triunfo profissional, mas este magnetismo é, de novo, imerso pela ansiedade e mágoa (“I pray this reefer help me get rid of my demons/ (…) But understand none of these drugs make the person I am/Sober up, I can, sorry, but I can’t”).

Fighting Demons cessa num tom profundo e melancólico. Na última faixa “My Life In A Nutshell”, Juice detalha e antevê o limiar de um capítulo pós-vida. Consciente do potencial e excelência artística episódica, o artista confidencia saber que, mesmo numa possibilidade fatal, continuará vivo e memorável na história da música (como sempre o será): “Worst case scenario/You still hear my songs on the stereo/You still hear my name on the radio/So I’ll live forever, forever”. À semelhança de qualquer projeto anterior, Fighting Demons completa o reportório musical imensurável e precioso do rapper. Um projeto de puras mensagens de conforto que preservam vívida a memória e a arte única de Juice WRLD.