Jazmine Sullivan parece não ter terminado o seu trabalho como narradora daquele que foi considerado, pelo NPR, o melhor álbum de 2021, Heaux Tales. Na passada sexta-feira, dia 11 de fevereiro, a artista lançou Heaux Tales, Mo’ Tales: The Deluxe. Esta edição conta com cinco canções e cinco interlúdios, repletos de narrativas que não tiveram lugar na primeira versão do projeto musical.
O sinais de que uma edição deluxe do álbum Heaux Tales estaria a chegar começaram em dezembro do ano passado, quando Jazmine Sullivan publicou excertos de duas novas canções nas redes sociais. Em declarações à Variety, a artista norte-americana revelou que o EP, lançado em janeiro de 2021, começou com “a ideia de dar voz a mulheres negras”, algo que não é possível fazer com apenas um projeto. “Há sempre mais para dizer”, afirmou a artista de 34 anos.
Quando questionada sobre se pretende expandir Heaux Tales e fazer dele um projeto em constante evolução, mesmo depois do lançamento da versão deluxe, a artista piscou o olho ao cinema. “Ainda não tenho a certeza. Gostaria de mudar para outra área, como o cinema, onde se pudessem contar novas histórias”, admitiu.
É um facto que todos os álbuns deluxe são pensados de formas muito diferentes. Também é verdade que a maioria dos artistas costuma adicionar uma ou duas novas músicas e talvez um remix e o assunto fica arrumado. Em Heaux Tales, Mo’ Tales: The Deluxe, Jazmine Sullivan vai mais longe e entrega um projeto que, para além de fazer jus ao nome, continua a mesma lógica criativa e conta histórias ainda mais profundas e pessoais.
Na versão original do projeto, cada canção surgia precedida de um interlúdio que servia de mote para o tema. Em Heaux Tales, Mo’ Tales: The Deluxe, o esquema mantém-se. É Issa Rae, autora da famosa série da HBO, Insecure (2016), que narra a primeira “tale”. A amizade de Rae e Sullivan não é de agora. Remonta a 2017, ano em que Jazmine Sullivan se juntou ao cantor Bryson Tiller para criarem “Insecure”, uma canção que viria a integrar a banda sonora da série realizada e protagonizada por Issa Rae.
“Tragic”, o single lançado em junho do ano passado, é construído com base num loop de seis notas tocadas num sintetizador e uma batida simples de quatro tempos. A produção musical não é muito requintada. É a voz de Jazmine Sullivan, o coro em harmonia e a linha de baixo elétrico que dão vida à canção. Este é um traço comum aos cinco temas adicionais, todos mais próximos da sonoridade acústica.
Segue-se a maior novidade em termos criativos. Heaux Tales deixa de ser um projeto exclusivamente feminino e inclui, na versão deluxe, um interlúdio narrado por um homem, um “breaux” (adaptação da expressão “bro”, diminutivo de “brother”, irmão, em inglês). Este “A Breaux’s Tale” antecede “Roster”, a canção que até agora tem melhor desempenho nas plataformas de streaming.
Jazmine Sullivan não é mulher de meias palavras, mas a letra de “Roster” está certamente entre as mais brutamente honestas da sua discografia. Acompanhada por nada mais que uma guitarra acústica, Sullivan adverte “I’m a player by nature / But I’ll always keep it honest / So for you, there’s one more spot left in my roster, baby”.
Seguindo a ousadia e empoderamento sexual de “Ari’s Tale” e “On It” da versão original, Heaux Tales, Mo’ Tales: The Deluxe traz-nos “Mona’s Tale” e “BPW”. Diminutivo para “Best Pussy in the World”, o penúltimo tema do projeto é, por um lado, o mais ambicioso no que à produção musical diz respeito, e, por outro, o que mais evidencia o potencial vocal de Sullivan. Abre com uma secção de instrumentos de cordas, que nos remonta de imediato para o jazz dos anos 60, para, de seguida, nos brindar com um dueto de guitarra acústica e baixo elétrico.
Na primeira estrofe, a artista entrega-se aos melismas exímios e aos octave jumps perfeitos que evidenciam a riqueza do registo mais agudo da sua voz. Na segunda estrofe, ouvimos Jazmine aventurar-se no chamado rap-singing, uma espécie de fusão do rap com o R&B, não só em termos sonoros, mas também vocais, que ganhou força nos anos 2000.
É “Selfish” que fecha a versão deluxe de Heaux Tales. Tanto a nível sonoro como a nível lírico, o tema não acrescenta muito e é, provavelmente, um dos mais repetitivos e comerciais da discografia de Jazmine Sullivan. Seria de esperar um grande fecho, como aconteceu na versão original com “Girl Like Me”, em parceria com H.E.R., mas Heaux Tales, Mo’ Tales: The Deluxe desilude nesse aspeto.
Nomeado na categoria de Best R&B Album para os Grammy’s 2022, Heaux Tales foi, sem sombra de dúvidas, a grande surpresa do ano passado. Esperámos seis anos pelo regresso de Sullivan, mas cada segundo valeu a pena. A versão deluxe surge de uma necessidade de continuar a dar visibilidade às experiências de mulheres negras e, por si só, isso é mais do que louvável.
Heaux Tales, Mo’ Tales: The Deluxe surge apenas três dias antes do início da tão esperada digressão Heaux Tales Tour, programada para começar hoje, dia 14 de faveiro, Dia de São Valentim, em Vancouver (EUA). Resta esperar para saber se os fãs vão poder ouvir estes cinco novos temas ao vivo. Dúvidas não restam de que poder assistir ao vivo à genialidade musical de Jazmine Sullivan será sempre uma experiência inigualável.
Heaux Tales, Mo’ Tales: The Deluxe: mais histórias para contar
Artista: Jazmine Sullivan
Álbum: Heaux Tales, Mo’ Tales: The Deluxe
Editora: RCA Records
Data de lançamento: 11 de fevereiro de 2022