A fixação de margens de lucro pelo Estado, a pandemia e o digital tem mudado por completo o funcionamento da indústria dos medicamentos.

Esta sexta-feira, dia 11 de fevereiro, celebra-se o Dia Mundial do Doente. Data instituída em 1992, pelo Papa João Paulo II. De forma a marcar o dia, o ComUM esteve à conversa com Sara Ferreira, farmacêutica numa farmácia de rua. As questões que caracterizam o setor farmacêutico no momento e a dificuldade de acesso a medicamentos foram os principais assuntos abordados.

A indústria farmacêutica sempre teve um lugar muito próximo das pessoas ao longo do decorrer da história. Após anos de desenvolvimento, esta indústria tornou-se mais capaz de ajudar e promover um melhor estilo de vida à humanidade. Para Sara Ferreira, a figura dx farmacêuticx “é um elo de ligação entre o cidadão comum e os médicos e os enfermeiros, porque, geralmente, o sítio a que as pessoas recorrem primeiro é a farmácia”.

Por diversos motivos, as pessoas dirigem-se a um estabelecimento farmacêutico numa fase inicial. Na impossibilidade de fazer alguma coisa, a farmácia encaminha os utentes para o campo médico. No entanto, a especialista afirma que nem sempre a relação farmacêuticx-médicx é a melhor. “Acaba por não ser sempre uma ligação direta, se calhar devíamos melhorar nesse aspeto”, declara. A especialista admite também que podem haver “mal-entendidos” na comunicação entre todas as partes.

Desta forma, a posição que a profissão de farmacêuticx ocupa no panorama social reflete-se em exigências quando se fala da prática. Ética, respeito pelo sigilo e tentar fazer o melhor pelo indivíduo são alguns dos aspetos que Sara considera essenciais para praticar a profissão. Para além disso, acrescenta que na venda de um produto, é vital “olhar para o indivíduo que se encontra à frente e pensar nas possibilidades que tem cada pessoa, pois há sempre várias opções de como ajudar”. Assim, a farmacêutica aponta que o bom desempenho desta função vem do sentimento de conseguir ajudar os outros.

Na última década, a indústria viu “as margens dos medicamentos em termos de lucro” serem reduzidas amplamente. “No tempo do Sócrates, a farmácia tinha uma percentagem de lucro nos medicamentos e baixaram-na bastante. Deixou de ser tão lucrativo e então teve-se que recorrer a outras formas para ter lucro, porque a farmácia no fundo é uma empresa privada e tem que dar lucro”.

A funcionária de farmácia relembra que existem salários que têm de ser pagos e que há muitos serviços prestados na farmácia, como por exemplo, medir a tensão e a administração de injetáveis que não era cobrada e teve que passar a ser. “São serviços que se for a um hospital privado ou quando vai ao centro de saúde são cobrados, porém o Estado acaba por comparticipar. Na farmácia, tivemos de recorrer a estas medidas, porque se não, não conseguiríamos sobreviver”, salienta. Sara Ferreira declara que trabalhou numa farmácia que esteve em bastantes dificuldades financeiras e não tinha dinheiro para comprar medicamentos. “Uma situação extremamente complicada”, confessa.

Ainda, Sara Ferreira crê que as pessoas respeitavam e confiavam mais na figura dx farmacêuticx no passado. “Não sei se é em relação a nós ou com toda a gente, mas [as pessoas] estão mais desconfiadas e qualquer coisa é motivo de exaltação. Reclamam por tudo e por nada, mesmo quando não é culpa nossa, como quando o médico não receitou o medicamento ou não aparece na receita”, declara. A farmacêutica, que trabalha há mais de dez anos no ramo, acredita que “com as receitas eletrónicas, deu-se uma melhoria muito grande em relação às receitas em papel para as pessoas”. No entanto, acabam por gerar alguma desconfiança. As pessoas mais velhas são o público que mais recorre à farmácia e as novas tecnologias atrapalham-nos, o que resulta em menos confiança. “Durante este tempo de pandemia, para eles foi muito complicado receber receitas por mensagem e acabam por chegar à farmácia e pedir-nos para vermos no telemóvel deles o que é que eles precisam”, adiciona. Segundo a farmacêutica, as pessoas recorriam muitas vezes à farmácia para pedir ajuda.

Atualmente, discute-se amplamente no campo social a dificuldade de acesso aos medicamentos. De acordo com Sara Ferreira, “há sempre medicamentos esgotados por diversas razões”. Seja por problemas de fabrico ou mudança de cartonagem, o medicamento fica indisponível durante algum tempo. Em momentos, não há outra hipótese, no entanto, na maior parte dos casos, a medicina consegue receitar um equivalente. Todavia, a especialista confirma que podem também ser outras razões que as farmácias desconhecem. Segundo a mesma, “muitas vezes, o medicamento não dá lucro à empresa que o faz, já que o preço deste também é regulado pelo Estado e, às vezes, o medicamento é tão barato que não compensa à indústria produzi-lo e então deixar de ser fabricado”. Por outro lado, Sara Ferreira refere que, noutras vezes, certos medicamentos voltam a ser vendidos depois das empresas tentarem negociar com o Estado para aumentar o preço de forma que se torne rentável produzi-los.

Para além dos problemas que já se arrastam na indústria farmacêutica por alguns anos, a pandemia também teve o seu impacto. A pandemia foi “uma coisa arrebatadora”. “Tudo mudou desde máscaras, luvas, medo. Nós próprios tínhamos muito medo de trabalhar”. Da mesma forma, a pandemia limitou a quantidade de pessoas que podiam estar dentro da farmácia. “Com o distanciamento chegamos a ter filas que andavam pela rua fora”, salienta a farmacêutica quanto ao impacto nas questões de logística. A especialista relembra também as muitas “reclamações das pessoas quanto aos preços”. Posteriormente, o Estado fixou margens de preços após “um período bastante caótico”.

Os sucessivos momentos difíceis que a indústria tem atravessado levanta questões sobre o futuro da mesma. Sara Ferreira aponta que atualmente já existem vendas online a aparecer, e nota-se que muitas farmácias já começam a apostar nesse mercado que já se tem vindo a expandir. O futuro da farmácia pode, assim, passar muito pela passagem para o digital. “Durante a pandemia houve muitas pessoas a pedir entregas em casa e nós tentamos fazer isso da melhor forma”, recorda Sara. Para a especialista, faz sentido “virar-se para as vendas online” pois, é “o que dá mais lucro”. “Os medicamentos sujeitos a receita médica antes davam mais lucro. A farmácia conseguia o lucro quase todo e hoje em dia já não. A grande massa de lucro vem de produtos de venda livre ou cosméticos”, conclui a farmacêutica.

*artigo escrito com linguagem inclusiva