Em 1980, quatro mulheres deixaram o país em transe com as suas canções polémicas e visuais arrojados. Nasciam as Doce e, com elas, o primeiro grande sucesso do grupo: o álbum Ok, Ko. Irreverentes e ousadas, assim viriam a ficar conhecidas aquelas que deram vida à mais icónica girlband portuguesa.
Recém-saído de uma ditadura, Portugal era, à data, um país extremamente conservador e marcado pelos ditos “bons costumes”. Contudo, foi precisamente neste terreno pouco fértil que o grupo constituído por Fátima Padinha, Laura Diogo, Lena Coelho e Teresa Miguel espalhou cor e alegria com os seus êxitos musicais. O álbum Ok, Ko seria, apenas, o primeiro de uma carreira que tanto deu, e continua a dar, que falar.
Constituído por dez faixas, a sonoridade do disco é um exemplar perfeito do pop tão caraterístico da década de 80. São vários os temas que merecem aqui destaque, quer pelas suas melodias cativantes, quer pelas letras atrevidas que fizeram frente às mentes retrógradas. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um projeto que revolucionou o panorama musical português da época.
Começo por fazer referência a “Ok, Ko”, que é também o título do álbum. É ao som de uma batida enérgica e de um ritmo contagiante que as Doce cantam sobre o prazer sexual feminino. Apesar de a letra abordar um tema tabu, tal não foi um impedimento para que a canção fizesse furor, tornando-se rapidamente num dos maiores sucessos da banda.
De facto, esta é uma temática bastante recorrente nas composições do grupo. O engraçado é que todos estes temas foram escritos sob um olhar masculino, o do cantor e compositor Tozé Brito. Isto demonstra um certo desejo de que as Doce se tornassem uma referência para várias mulheres em todo o país, incentivando-as a abraçar novas versões de si mesmas.
Ainda neste registo, temos a inconfundível “Amanhã de Manhã”, uma canção que marcou gerações e que, ainda hoje, abre várias pistas de dança. Composto por Tozé Brito e Mike Sergeant, o single é, deveras, alegre e viciante. É impossível alguém ficar indiferente à sua melodia e aos versos desafiadores (“Eu vou-te abraçar e prender-te então/ No corpo que é teu, na cama, no chão”), sendo considerado por muitos a chave de ouro do grupo.
Eis que o ambiente se torna mais melancólico e nostálgico com “Depois de Ti”, uma faixa que contrasta com as restantes do disco. A melodia pode ser distinta, mas o que não difere é a mensagem de superação e amor próprio que é transmitida (“Quero ver o que vais fazer/ Ao sentires como eu mudei/ Como eu me perdi de ti e me encontrei).
“Café com Sal” é outra faixa que não passa despercebida. O tema aborda os desentendimentos dentro de uma relação amorosa, desta vez através de uma lírica cómica e cativante (“Qualquer dia, amor/ Vais mudar de cor/ Vou servir-te o teu café com sal/ Embrulhar o pão no teu jornal/ Pela manhã”). Os acordes de guitarra e a batida são descontraídos, resultando num instrumental que permanece no ouvido.
“Doce” é o título do tema que lhes concedeu o segundo lugar no Festival da Canção, em 1980. Não há muito para comentar relativamente à sua letra e melodia, uma vez que estas não diferem muito dos trabalhos anteriores. A atenção recaiu, antes, sobre os figurinos coloridos e brilhantes que as cantoras usaram na apresentação da canção, naquela que foi a primeira edição transmitida a cores para a televisão portuguesa.
É incrível perceber como as Doce transportaram o inconformismo ilustrado nas suas letras para as apresentações em palco. Elas, não só cantavam sobre liberdade e ousadia, como assumiam essa postura em todas as suas aparições públicas. As peças extravagantes do seu guarda-roupa eram apenas mais um grito de quem se queria fazer ouvir numa sociedade tão cinzenta.
E, de facto, foram mesmo ouvidas, alcançando rapidamente as luzes da ribalta com êxitos atrás de êxitos. Não existe ninguém que não conheça as Doce e o marco de inovação que significam para a música e cultura nacionais. É igualmente impossível ignorar a influência que elas tiveram na libertação das mulheres portuguesas, que se tornaram mais confiantes para vestir roupas sensuais e para colorir os lábios com tons fortes e garridos.
Este é um álbum extremamente bem conseguido, o que comprova o talento único de Tozé Brito para compor canções das quais nunca nos cansamos. Os temas viciantes e a imagem irreverente das intérpretes foram os ingredientes que tornaram as Doce num verdadeiro fenómeno, não só em Portugal, como em países estrangeiros. Este sucesso sem precedentes impulsionou, até, uma tentativa de internacionalização da banda, o que motivou o lançamento de temas em inglês com os discos posteriores.
#Arquivo | Ok, Ko: o nascimento da mais icónica girlband portuguesa
Artista: Doce
Álbum: OK.KO
Editora: Polygram
Data de Lançamento: 1980