O último "European Social Survey", publicado em 2021, revelou que 62% dos portugueses inquiridos apresentou crenças racistas.
Assinala-se esta segunda-feira, dia 21 de março, o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. A efeméride foi implementada pelas Nações Unidas, em homenagem ao Massacre de Sharpeville. Em 1960, decorreu nesse bairro de Joanesburgo, na África do Sul, uma manifestação pacífica contra as leis do Apartheid, onde a polícia abriu fogo e matou dezenas de pessoas.
Em entrevista ao ComUM, Piménio Ferreira, ativista da associação SOS Racismo, descreve a data como um “marco de poder e de resistência contra a opressão e contra opressores”. Acrescenta que a simbologia deste dia é transversal a todas as comunidades, incluindo a branca, e relembra que “nenhum opressor é imbatível ou inconfrontável”.
O ativista conta que o SOS Racismo trabalha no acompanhamento dos casos de vítimas de discriminação racial. “Receber a queixa, orientar no seu seguimento junto de instituições, mas também dar apoio às vítimas”, explica Piménio Ferreira. O profissional sublinha que é fundamental a associação mostrar-se presente e cooperante, “respeitando sempre a vontade das pessoas”. A denúncia, divulgação e protestos públicos são outras das formas de atuação da SOS Racismo. Revela, ainda, que os pedidos de ajuda chegam de “menos pessoas do que as que precisam” e que estas estão “indignadas e sedentas por justiça”. O ativista apela a que as vítimas contem com a associação para “responder a todas as denúncias” e fazer oposição “ao racismo nacional e ao imperialismo”.
Piménio Ferreira aponta as escolas como “um dos principais espaços de violência racista, principalmente para crianças de famílias negras e romani”. O ativista refere que o espaço escolar “integra a estrutura racista, logo é nela que o racismo se institucionaliza”, estendendo-se até ao ensino superior. Segundo o próprio, “o racismo só existe porque há um Estado colaborante que o inventa e o executa em nome de interesses de raça e classe racistas”. “Pessoas brancas, investidas com uma falsa autoridade e competência sobre pessoas racializadas e que querem ditar do que se fala e a forma como se fala do racismo”, afirma.
Quanto aos meios de comunicação social e possíveis medidas por eles adotados para combater a discriminação racial, Piménio salienta os interesses nisso envolvidos. Menciona o exemplo dos protestos e denúncia contra prisões, em que nenhum canal de televisão ou rádio esteve presente. Em contrapartida, inúmeras imagens relativas ao conflito Russo-Ucraniano têm passado constantemente nos mesmos meios, refere Piménio Ferreira. “Fazem-nos ver a morte, a destruição e o sofrimento além fronteiras causada por ‘estados inimigos’”, constata, de modo a comparar com o facto de não darem visibilidade ao que se passa em Portugal. Enumera as mortes em prisões, os despejos e a brutalidade policial como exemplos daquilo a que a comunidade negra é sujeita. Deixa uma crítica direta ao Estado – “eles trabalham mais depressa para que se simpatize com opressores do que com vítimas. Humanizam mais rapidamente um racista do que uma pessoa”.
O ativista discorda de que se trata de um problema geracional. Assim, esclarece que “o racismo como sistema político de poder e organização social teve início efetivo com as invasões europeias, em 1415″. “Racismo e imperialismo europeu não se separam, fundando a estrutura política e identitária da Europa Moderna, com a invenção do branco enquanto raça superior com o “Complexo de Adão ” de achar que tudo o que existe lhe pertence e todas as pessoas lhe devem estar subjugadas”.
Piménio Ferreira nega que exista evolução nestas questões – “a sociedade moderna e branca perdura por séculos e recusa mudar”. “Ainda hoje o Estado Português aliviou a pena a um branco para que este se pudesse juntar a grupos neonazis. Isso é evolução?”, pergunta. Contudo, deixa claro que a resistência continua e vai continuar a existir.