Criado como forma de promover a arte teatral, o Dia Mundial do Teatro é celebrado, por iniciativa do Instituto Internacional do Teatro, a 27 de março.

A Companhia de Teatro de Braga (CTB) conta com 42 anos de vida e está sob a direção artística de Rui Madeira. Em entrevista, o ator e diretor da CTB fala da falta de espaço para o teatro na agenda mediática e da carência de uma Política Cultural Integrada em Portugal. Os hábitos culturais dos portugueses e a efemeridade da arte teatral são ainda assuntos referidos pelo também diretor da Eurasia Theather Association.

Em 2020, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de pessoas que foram ao teatro, em Portugal, é de 671 mil. Este é o número de afluência mais baixo desde que começou o milénio. A pandemia da COVID-19 teve consequências graves no setor da cultura em Portugal. Mas, para Rui Madeira, o “vírus pandémico já estava no teatro e nas artes, em Portugal, o SARS-COV-2 foi apenas mais um.” E o teatro resistiu e continua. “Ainda ninguém conseguiu matar o teatro” porque ele “acontece num momento e morre no segundo seguinte”, pois “a arte do teatro é efémera por natureza”, acrescenta.

Segundo Rui Madeira, o teatro faz parte da natureza da humanidade e os atores devem lutar em busca à ‘re-humanização’. Isto “porque as pessoas estão cada vez mais sós e agarradas ao seu individualismo, na busca apenas daqueles que estão de acordo com elas”. O que faz com que “não haja debate, não haja diferença e não haja experimentação do sensorial, do toque e da pele.” Por isso, a arte teatral “tem que provocar, cada vez mais, acontecimento e tem de ser da vida das pessoas e tem esta necessidade do confronto.”

“Infelizmente, o teatro não está na ordem do dia.” Rui Madeira não tem dúvidas, a ausência do teatro no agendamento mediático é a razão para este não ser destaque no panorama cultural português. “Se eu fosse completamente filho da p*** dizia: ‘O teatro destaca-se quando morre alguém.’” A morte de Jorge Silva Melo é exemplo para esta afirmação. Antes do seu falecimento “ou não se falava dele, ou ele tinha que escrever coisas horríveis sobre alguém para ser observado, nunca se olhou com atenção para aquilo que ele, e outras pessoas, dizem sobre a necessidade de uma política cultural”, reitera.

Em Portugal, a afluência da população aos espetáculos de teatro é menor do que noutros países europeus. O rácio europeu, isto é, “a percentagem de pessoas com hábitos culturais, que frequentam a atividade artística” é cerca de 10%, “em Portugal, estamos muito longe disso.” A razão para isto acontecer está na falta de hábitos culturais da população portuguesa. “Não há uma cultura teatral”, uma vez que “há áreas da cabeça dos portugueses onde ainda não lhes foi colocado o prazer de experimentar outras coisas”, refere o ator. Por este motivo, Rui Madeira defende que “reeducar para o prazer é fundamental, porque toca também na parte sensorial.”

A necessidade de uma Política Cultural Integrada

“Estamos sempre a acudir ‘incêndiozinhos.’” Os problemas do setor cultural tendem a repetir-se ciclicamente e sem resolução duradoura. Tal acontece pois não há uma “política cultural que integre a cultura popular, o associativismo cultural e a criação artística e perceba os seus patamares”, defende Rui Madeira. Para a criação da “Política Cultural Integrada” é necessário “conhecer o país e fazer um mapeamento dos investimentos que foram feitos em infraestruturas e quais estão desabitadas.” Outro aspeto referido é “a questão do território e como este se gere.” Há ainda a falta de um “modelo de financiamento para a cultura”. Tais modelos existem em países como França, Espanha e Alemanha, mas “em Portugal, está tudo desconectado”.

Geralmente, quando há um novo Governo surge a dúvida se há Ministro ou Secretário de Estado da Cultura. Contudo, “o Ministério da Cultura não tem estatuto orgânico e depende diretamente do gabinete do Primeiro-Ministro.” Por isso, para Rui Madeira, “o nome que se dá ao cargo é irrelevante.”

A Companhia de Teatro de Braga

Fundada em 1980, a CTB é resultado de um grupo de jovens atores e atrizes que “entendiam o teatro de uma maneira diferente daquela que era praticada em Portugal.” Deste grupo inicial fazem parte Rui Madeira, Ana Bustorff, Júlia Correia e António Fonseca. “Foi um momento de transição muito importante na Europa e, sobretudo, em Portugal, poucos anos depois da revolução” de 1974.

Esta Companhia que se formou no Porto teve, desde logo, o “objetivo muito claro de se sediar em Braga.” Tal deve-se à criação da Comissão de Coordenação da Região Norte e de “um estudo sobre o Norte de Portugal, onde dizia que Braga seria a cidade com maior potencial” nos anos que se seguiam. Em 1984, a CTB consegue atingir o seu objetivo inicial e sedia-se em Braga.

Atualmente, conta com cerca de 20 elementos, divididos pelas várias áreas. Um corpo de nove atores fixos, “e mais um grupo de pessoas que vêm frequentemente à CTB” e que com ela colaboram. O nome “Companhia” tem também razão de ser. Uma “Companhia é aquela que tem uma estrutura fixa, que permite ter espetáculos em repertório, tem várias áreas de trabalho, como um departamento de media artes, um corpo fixo de atores, uma parte de gestão…”, explica o diretor artístico.

Rui Madeira refere que a CTB, por vezes, foi vista como elitista pois “escolhe autores e espetáculos complexos”, mas essa é a sua matriz. “Somos uma estrutura de criação artística teatral”, afirma.

“A CTB não foi coro com a desgraça do teatro português” durante a pandemia da COVID-19, revela o diretor. Uma vez que “tem lutado para que as pessoas estejam registadas na Segurança Social”, ficaram salvaguardados, apesar de isso ter “custos acrescidos para a gestão da CTB.” Assim, foram capazes de manter todos os elementos e “até metemos mais duas pessoas na equipa”, refere.

As sequelas da situação pandémica são mentais na CTB e, para este problema, há agora um projeto. “Há uma diretiva para que as pessoas circulem e tenham uma espécie de férias em criação artística e que isso os ajude a melhorar o seu bem-estar mental”, revela Rui Madeira.

“As dificuldades que nós enfrentamos atualmente são as que sempre enfrentámos.” Aos problemas financeiros e económicos, juntam-se os dos hábitos culturais. “O problema não é só das artes, o problema é do país” e da falta de “políticas de educação que conduzam as pessoas, dando-lhes garantias e chaves para saberem escolher e criarem gosto”, salienta.

Nos últimos quatro anos, a CTB tem trabalhado sobre o tema fronteiras, a partir de um poema de José Tolentino de Mendonça. “Estamos agora a trabalhar numa peça a partir de um clássico de Aristófanes”, dentro da mesma temática, a estrear em abril. A Companhia está ainda a “trabalhar num projeto solidário com a Ucrânia, para acolher seis ou sete pessoas do teatro ucraniano”, revela o diretor artístico.