Nos últimos dois anos, muito se tem debatido sobre as condições e a organização dos cuidados de Saúde em Portugal, sobre o que temos de melhor e sobre as lacunas que ainda existem. Lacunas estas que têm sido objeto de discussão onde, por vezes, subitamente, aparecem soluções que se dizem milagrosas. Estas soluções são, em grande parte, uma tentativa de responder às questões da população sem verdadeiramente responder às suas necessidades. Cabe também ao Núcleo de Estudantes de Medicina da Universidade do Minho (NEMUM) contribuir para a adequada informação da comunidade, para a defesa dos seus interesses e para a potenciação dos cuidados de saúde em Portugal.

Ouvimos frequentemente que existem poucos médicos no nosso país e que a solução é formar mais médicos. Esta afirmação revela-se falaciosa quando analisamos os números de acordo com aquilo que eles verdadeiramente significam, ao invés de apenas apresentar determinados dados para corroborar uma certa posição. Nos últimos vinte anos o número de diplomados em Medicina quase quadruplicou, o número de estudantes de medicina triplicou, porém o número de médicos no SNS nem atingiu o dobro no mesmo intervalo de tempo. Ao dia de hoje, menos de metade dos médicos formados em Portugal não exercem funções no Serviço Nacional de Saúde.

Dito isto, o que falta verdadeiramente é um planeamento estruturado dos cuidados de saúde que atinja várias frentes, nomeadamente o aumento da idoneidade formativa, dentro daquilo que é possível, mantendo a qualidade do ensino médico característica do nosso país; a contratualização de profissionais de saúde para o SNS, conferindo-lhes as condições necessárias para exercer a sua profissão; a diminuição dos rácios estudante: tutor e estudante: doente nas Escolas Médicas, que atualmente vão de 2,5 a 18,5 nas Escolas Médicas Portuguesas (o que significa que, em certas situações, existe um médico – e consequentemente um doente – para 19 estudantes); a redução do numerus clausus em Medicina, ou pelo menos a manutenção do mesmo, enquanto não se resolvem outros problemas que se arrastam, infelizmente, há anos; entre outros. Estes problemas têm sido levantados ao longo dos anos pelo NEMUM e pela Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), através da sua Posição Global, que ao mesmo tempo propõe soluções eficazes e sustentáveis para a resolução dos mesmos. Infelizmente, pouco ou nada tem sido feito e pouco ou nada temos sido ouvidos. Recorrentemente, são tomadas decisões sem auscultação de quem melhor conhece o sistema de ensino.

No decorrer do ano passado, o governo autorizou um aumento de 15% no número de vagas de acesso à formação pré-graduada sobre o argumento de que, aumentando o número de vagas, aumentar-se-ia o número de médicos ao serviço da população. Este argumento contribui para um aumento da desinformação da população em geral no que toca ao estado dos cuidados de saúde. Atualmente, existem cerca de 1.500 vagas de acesso à formação pré-graduada (vagas de acesso ao Curso de Medicina), às quais acrescem cerca de 80 dos ciclos preparatórios das Universidades do Algarve e da Universidade da Madeira mais cerca de 200 do concurso especial de acesso por titulares do grau de licenciado.

No último processo concursal, foram disponibilizadas cerca de 1.900 vagas de acesso à formação pós-graduada (acesso à especialidade), no entanto, concorreram cerca de 2.500 recém-formados, o que fez com que, obrigatoriamente, cerca de 600 médicos recém formados ficassem sem acesso à especialidade. Porém, depois de anos a existirem menos vagas que candidatos, o governo autorizou a abertura de um novo curso de Medicina e incentivou o aumento do número de vagas, contra a opinião das Escolas Médicas, da ANEM e das Associações e Núcleos de Estudantes.

Como se todos estes constrangimentos não fossem suficientes, no ano passado, e pela primeira vez, existiram cerca de 50 vagas de acesso à especialidade que não foram preenchidas, não por vagas a mais ou por candidatos a menos, mas, sim, porque os candidatos preferiram não as ocupar, deliberadamente.

Enumerar as causas, neste momento, seria mera especulação, mas é certo que este acontecimento deve fazer soar sinais de alerta acerca das preferências dos jovens médicos e sobre as condições de trabalho a que os mesmos vão estar sujeitos. Este não é um acontecimento normal, devemos fazer o máximo dos esforços para, primeiramente, perceber as razões e as causas que levaram jovens médicos a preferir alternativas em detrimento da escolha da especialidade e, posteriormente, arranjar soluções eficazes, com efeitos a curto e a longo prazo, que resolvam esta situação inédita e extremamente alarmante.

Da parte do NEMUM, continuaremos a lutar, em conjunto com a ANEM, pelo aprimoramento dos cuidados de saúde, pela saúde da população e pelo melhor para todos.