Primeiro uma isoladora e sufocante pandemia, agora uma ameaçadora e imprevisível guerra. O medo, a ansiedade, a ausência de controlo e o sentimento de desmoralização e impotência marcam ambas, podendo afetar a saúde mental. O desespero aumenta com a contínua exposição à destruição, ainda mais numa altura em que a batalha é também travada na comunicação social.

Há 26 dias, a Rússia invadiu a Ucrânia numa operação marcada por destruições, mortes, separação de famílias e sirenes constantes. Mesmo estando a acontecer a milhares de quilómetros de distância, todos os dias temos contacto com notícias sobre a guerra e vivemo-la, ainda que de outra forma. Observar o terror da violência, do desrespeito pela dignidade e pelos direitos humanos tem um grande impacto psicológico na sociedade. Direta ou indiretamente somos afetados pelo que está a acontecer no resto do mundo e, segundo Renato Gomes Carvalho, psicólogo da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), “em termos psicossociais, o impacto existe e é muito significativo”.

É difícil compreender a guerra e é ainda mais difícil controlar os sentimentos que surgem dela. Como não pensar: ‘E se fosse aqui? E se fosse comigo?’. Segundo Débora Bento Correia, psicóloga clínica, “o facto de este conflito ser na Europa e envolver uma das maiores potências bélicas, económicas e políticas do mundo, impacta-nos de uma maneira diferente”. Há uma certa identificação pelas vítimas por serem geograficamente e culturalmente mais próximas, o que parece aumentar o sentimento de angústia e sofrimento bem como o de solidariedade e vontade de ajudar.

A própria guerra de informação e desinformação contribui para este sofrimento psicológico. Possibilitada pelo imediatismo brutal das redes sociais, minuto a minuto, temos conhecimento do que está a acontecer em solo ucraniano. No entanto, muitas vezes as informações que recebemos não são úteis, ou até, por vezes, verdadeiras. O que se torna um perigo, principalmente em tempos onde raramente se questiona o que se vê. Em 1917, o senador americano, Hiram Warren Johnson, dizia que “a primeira vítima da guerra é a verdade”. Em 2022, esta continua a ser uma realidade.

Juntamente com o fluxo de notícias, imagens, vídeos e comentários, o número de espectadores também não abranda. Segundo Ângela Maia, diretora da licenciatura em psicologia na Universidade do Minho, “a comunicação social vive muito da exploração emocional”, onde as notícias sobre conflitos e tragédias são as mais exploradas e transmitidas. Numa vontade de consumir mais e mais informação, a ansiedade e o medo aumentam com a contínua exposição ao desastre.

Parece que há o pensamento coletivo de que não podemos continuar a nossa vida e dedicarmo-nos a nós próprios enquanto milhares de pessoas sofrem. Mas, não só podemos, como temos.

“Não ter vida reverte a favor de ninguém”, declara Ângela Maia. O estar constantemente a monitorizar todos os detalhes do que está a acontecer na Ucrânia não vai alterar as decisões geopolíticas ou o decurso dos acontecimentos mundiais, apenas “vai tornar-nos pessoas mais tristes e incapazes”, afirma a psicóloga. Não é saudável ter pensamentos de guerra frequentes e de forma ruminante. Não é benéfico pararmos de fazer atividades da vida diária para ver as notícias. Estas ações prejudicam o sono e fazem com que as pessoas não estejam bem consigo mesmas.

O importante é ter a consciência de que é bom mantermo-nos informados, mas não até ao ponto de esta informação nos sufocar. A Ordem dos Psicólogos Portugueses publicou um documento sobre a guerra, com recomendações de como podemos gerir toda a informação que recebemos sobre esta. Procurar informação de fontes fidedignas e consumir apenas conteúdos relacionados com o conflito numa certa altura do dia, relaxar e ter momentos de lazer durante o resto do dia, são dicas, que os profissionais sugerem, para lidar com a avalanche de notícias a que temos contacto diariamente. Em “A guerra afeta-nos a Todos: gerir emoções e sentimentos numa situação de crise“, somos também relembrados que cada pessoa reage de forma diferente a acontecimentos traumáticos e que cada um de nós tem capacidades e formas distintas de lidar com as emoções e sentimentos desagradáveis.

A guerra está perdida a partir do momento em que nos começamos a perder a nós mesmos. Num período em que continuamos a viver efeitos nefastos da pandemia, os quais envolvem justamente o sofrimento psicológico, a situação que vivemos torna-se ainda mais exigente. Assim, é importante saber quando está na hora de parar e conseguir “desligar” do que nos rodeia em determinados momentos. Não é egoísmo, é saber cuidar de nós, nestes que são os novos “loucos anos 20”.