A especialista Cristiane Nunes considera que ainda existe um longo caminho a percorrer para uma educação mais inclusiva.

Este sábado, dia 23 de abril, comemora-se o Dia Nacional da Educação dos Surdos. A data pretende sensibilizar a sociedade para uma maior integração e cuidados adequados do deficiente auditivo. Para compreender as dificuldades no acesso a educação, o ComUM esteve à conversa com Cristiane Nunes, autora do livro “Processamento Auditivo – Conhecer, Avaliar e Intervir”, o primeiro livro lançado em Portugal sobre o tema.

Segundo a autora, a surdez contempla vários graus: ligeiro, moderado e severo. O caso ligeiro é alvo, muitas vezes, de diagnósticos errados e pode consistir em falhas no processamento da informação pelo sistema nervoso auditivo central, “área que há bem pouco tempo ninguém avaliava”. “Infelizmente no sistema nacional de saúde não temos quase ninguém a realizar esse exame. Em Lisboa, só temos dois hospitais que fazem esse exame de avaliação no sistema público”, considera.

Efetivamente, apesar dos avanços medicinais que permitem uma maior inclusão, há ainda um longo caminho a percorrer para uma educação mais inclusiva. Atualmente, existe a possibilidade de realizar uma intervenção cirúrgica e optar pelo implante coclear. O aparelho é utilizado em situações severas e permite ao paciente recuperar a audição. “Esta cirurgia faz com que o surdo já não precise de uma escola sinalizada para surdos em que tenha língua gestual portuguesa, porque já tem capacidade de ouvir”, afirma. No entanto, precisa, de acordo com Cristiane Lima Nunes, de “terapia da fala, terapias complementares educacionais, de apoio ao ensino e ao estudo”, de forma que não haja um atraso na aprendizagem.

A verdade é que a cirurgia, apesar de trazer o benefício de uma maior inclusão, é invasiva e muito cara. “As filas de espera são grandes, os tempos de consulta são curtos e há falta de apoio especializado”, refere a especialista. Para tentar compensar essa falta do sistema educacional e de saúde público, há muitos indivíduos que se submetem à cirurgia por um meio privado, mas os custos são muito elevados e nem todos têm essa possibilidade financeira.

Apesar de sentir um avanço na área, Cristiane Lima Nunes acredita que a educação não é tão inclusiva quanto deveria ser, pois um deficiente auditivo não pode escolher qualquer escola para realizar o seu percurso escolar. Em Braga, a “EB 2,3 de Lamaçães tem uma parte sinalizada para surdos e toda uma equipa que acompanha surdez”, afirma. No entanto, são poucas as escolas que têm a possibilidade de acolher estes alunos e oferecer um ensino que se adeque às suas necessidades, com um professor especializado para um acompanhamento individual”. ”Prefere-se não investir num aluno surdo do que investir num técnico especializado em língua gestual portuguesa”, declara.

A ideia de a língua gestual portuguesa constituir uma disciplina no ensino português é defendida pela especialista, pois apesar de “ser natural para o surdo, não é tão natural para os restantes alunos, o que constitui um obstáculo gigantesco e faz com que ele viva dentro de uma outra comunidade de surdos. A surdez isola muito a pessoa”.

Com o desenvolvimento do implante, o surdo pode ter o benefício de não precisar de uma escola referenciada onde necessariamente vai aprender por meio da língua gestual portuguesa. “A maioria vai para qualquer tipo de escola e está totalmente incluído”. Do outro lado, há crianças e jovens que não têm essa possibilidade e que têm de estar isoladas numa escola com língua gestual portuguesa. “Não é bem uma educação inclusiva, porque o contexto é só para elas”, admite a Cristiane Nunes.

Desta forma, a terapeuta acredita que os alunos surdos que não têm possibilidade de ser submetidos a cirurgia deviam estar igualmente integrados numa turma com os restantes alunos, com um assistente que o acompanhasse o tempo todo. O que geralmente acontece é que “as pessoas que têm falhas auditivas são completamente isoladas”.

Cristiane Nunes escreveu o primeiro livro sobre processamento auditivo em Portugal, motivada pela “falta de conhecimento das pessoas e dos profissionais da área da saúde e educação”. “Quando falamos em surdos, não pensamos, geralmente, nos diferentes graus de surdez, como o que coloco no livro: falha do processamento dos sons, aquele que não é surdo profundo”, acrescenta.

A terapeuta conta que quando chegou a Portugal não existia essa diferenciação. Esses pacientes tinham um diagnóstico em aberto, errado ou nem eram vistos pela sociedade como portadores de um problema. Muita coisa tem melhorado, desde o diagnóstico precoce aos tratamentos, mas ainda assim há muitas barreiras no processo educacional.

Depois de ter escrito o livro, a especialista fez várias outras formações, visitou escolas e colégios para alertar sobre a temática. “Tive várias crianças de 12 anos já com índice de depressão, isolamento social, simplesmente porque não compreendiam bem a informação auditiva e já não conseguiam estar no grupo da escola porque as crianças falavam muito rápido, a professora não repetia, porque não tinha paciência e eram colocadas de lado”, conta Cristiane Nunes.