A 19 de abril, a plataforma de streaming Netflix estreou mais um dos seus projetos interativos, Kitty ao Ataque. A obra cinematográfica, categorizada como uma série para crianças, um desenho animado para televisão e uma produção de fantasia e do fantástico, cumpre (talvez em demasia) com a apresentação sequencial de rabiscos e com a criatividade proveniente dos confins da imaginação. No entanto, a definição do seu público-alvo é questionável. Da mesma forma, faz algum sentido vê-la, segundo é classificada, como excêntrica e disparatada. Mas será inteligente?

A premissa não poderia ser mais aliciante, quer para miúdos, quer para graúdos – “Kitty e Orc lutam contra monstros e derrotam rivais, mas precisam da tua ajuda para andarem pela Ilha das Batalhas e tornarem-se campeões nesta aventura interativa!”. Para os mais novos, significa que, também eles, podem ser vistos como heróis; para os mais velhos, apenas significa que os traquinas estão distraídos e, assim, podem prosseguir com os seus afazeres. Dependendo da idade – tendo em conta que a nova experiência interativa da Netflix é dirigida para maiores de sete anos -, as suposições não estão distantes da realidade. No entanto, não é por respeitar os desejos maiores, que uma produção pode (ou deve) ser entendida como adequada para uma determinada audiência. Por entre as escolhas de abordagem de temas sensíveis, as palavras utilizadas e a presença de múltiplas piadas despropositadas, Kitty ao Ataque parece ser um desses casos.

Antes de avançarmos, importa conhecermos um pouco mais sobre a proposta de Kitty ao Ataque. No “mundo futurista-medieval”, onde se centra a série, aqueles que se querem consagrar campeões, têm de ser capazes de “encontrar e derrotar todos os monstros da Ilha das Batalhas”. Kitty sempre sonhou em alcançar o estatuto. O seu melhor amigo, Orc, aceita ajudá-la na sua missão. Os nomes das personagens não poderiam ser mais ilustrativos. No entanto, como sempre, nem tudo é o que parece.

Kitty é, nada mais, nada menos, do que um gato, com quatro patas, orelhas pontiagudas, uma cauda e bigodes, que se distrai, facilmente, com brinquedos. Contudo, aparenta ter saído do universo de As Powerpuff Girls.

A denominação de Orc é já conhecida no mundo do fantástico, correspondendo a um monstro humanoide, que, tipicamente, luta contra as forças do bem. Ao conhecermos os familiares de Orc, percebemos que essa tendência se mantém. Todavia, o coadjuvante de Kitty é diferente. Podemos dizer que o aspeto grotesco mantém-se, nem que seja por ser robusto e verde. Porém, a sua personalidade nada tem de parecida com a dos seus familiares. O seu progenitor, intitulado de Pai Mauzão, o Rei Orc, sente-se desiludido por o seu filho ter um coração tão mole, ser tão “cagarolas” e não pretender continuar com o seu legado. Na verdade, aquilo que Orc realmente quer, é ser estilista. Sendo assim, faz-se sempre acompanhar da sua fiel máquina de costura.

A pergunta que se coloca é como é que estas criaturas vieram a ter contacto uma com a outra… A resposta é dada logo no primeiro episódio de Kitty ao Ataque. Kitty havia sido aprisionado pelo Rei Orc, vivia acorrentado a uma parede e obrigado a servir os seus soberanos. Graças à divergência de personalidade de Orc, conseguiram criar uma amizade. O episódio de estreia começa, precisamente, com a tentativa de fuga de Kitty e Orc da Ilha de Orc.

Passando a outras questões, o espaço de armazenamento das “armas” de Kitty relembra, novamente, os slots do vídeo-jogo. Longe de criticar os criadores de beberem inspiração de outras produções, o problema consiste na amálgama, exagerada e confusa, de referências.

A hipótese acabou por ser confirmada pelos elementos envolvidos na produção da série. Segundo avançado, a animação de Kitty ao Ataque resulta da combinação da estética de jogos tridimensionais, como Super Mario Odyssey, The Legend of Zelda: Link’s Awakening, Animal Crossing e Kingdom Hearts, com a aparência de cartoons clássicos, como As Powerpuff Girls (1998 – 2005) e O Laboratório do Dexter (1996 – 2003). A estética dos jogos tridimensionais é concebida através da dimensão interativa da produção. Resumidamente, os visualizadores/jogadores de Kitty ao Ataque não podem prosseguir com a série, sem, antes, Kitty e Orc colecionarem as chaves de acesso a novos níveis. No total, a equipa de Kitty ao Ataque construiu 31 mapas, ao longo de nove episódios, o que dá, entre eles, um total de 159 camadas desbloqueáveis.

Apesar de acreditar que Kitty ao Ataque é composto por um conjunto alargado de maus ensinamentos, não posso negar que também se constitui de boas lições. As mais imediatas estão relacionadas com o conceito de amizade. Costuma-se dizer que “no aperto do perigo, conhece-se o amigo”, Kitty e Orc comprovam a afirmação. Além da relação ter florescido na diferença, nenhum obstáculo aparenta quebrar a sua força. Aprender com e a lidar com a diferença é, igualmente, um tópico de análise. Posteriormente, recorda-se que a família é muito mais do que o ADN e, como repetido múltiplas vezes, “nem sempre o que parece é”. Atentos ao caminho, percebe-se a importância em viver e aprender vivendo. Não desistir é a frase de ordem, tal como não sucumbir à tentação de percorrer caminhos duvidosos, sob pena de prejudicar outros.