Vince Staples eleva a sua arte com a estreia do quinto álbum de estúdio. Lançado a 8 de abril de 2022, RAMONA PARK BROKE MY HEART explora a riqueza lírica do artista que é, excecionalmente, um pouco mais simples e natural neste projeto. Meticuloso e irreverente, o álbum apresenta apenas três participações de Mustard, Ty Dolla $ign e Lil Baby.

Vincent Jamal Staples cresceu na Califórnia, sempre em contacto com as realidades mais intensas das ruas. De forma inevitável, os cenários de criminalidade inspiraram a arte do cantor norte-americano. O primeiro passo para sair do nicho urbano cumpriu-se na mixtape, Stolen Youth (2013), produzida em colaboração com Mac Miller, rapperexímio que perdeu a vida em 2018.

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Hell Can Wait (2014) foi o primeiro projeto a solo e seguiu-se Summertime ’06 (2015), o seu primeiro álbum e de maior duração até ao momento. De entre os maiores sucessos, Staples juntou-se no estúdio para criar “Yeah Right” (2017) com um dos maiores talentos do Hip-Hop deste milénio, Kendrick Lama. Staples foi, também, a única colaboração no EP don’t smile at me da estrela pop Billie Eilish, em 2017.

“THE BEACH” é a introdução crua ao perigo iminente vivido na cidade de Los Angeles. São versos cortantes que se dissolvem na maresia. Vince Staples aquece o ritmo e segue-se “AYE! (FREE THE HOMIES)” onde resgata memórias que friccionam com episódios traumáticos. Aqui vivemos sensações honestas com repercussões frágeis e libertadoras.

O terceiro tema, “DJ QUIK”, balança entre o Hip-Hop dos anos 90 e o presente. “Rather die a legend than be livin’ with regrets” é o desígnio que inaugura a faixa mais old-school do álbum. Inicia-se uma sonoridade borbulhante e camadas orquestrais flutuam na magia da produção executiva de Mustard, tal como na faixa 13. “MAGIC WITH MUSTARD” é o single principal deste novo projeto numa reflexão magnética do percurso de prestígio do rapper.

Após as frequências trágicas e poéticas de “NAMELESS”, uma pausa melódica é interrompida no tempo certo por versos ríspidos e condescendentes, imersos nas suaves ondulações do mar. “WHEN SPARKS FLY” é uma atmosfera rica e comovente. Sem dúvida, um dos melhores momentos deste disco.

A tormenta e a luxúria voltam a assombrar RAMONA PARK BREAK MY HEART em “EAST POINT PRAYER”. São narrativas amargas adocicadas pelo som reverberado de piano que se funde com os versos encadeados e irrequietos de Lil Baby. “SLIDE” e “PAPERCUTS” ecoam novos momentos de poderio, fascinados pelas vívidas frivolidades e riquezas da fama (“Now everythinng I dream is everything you see”).

Colorida e fresca, “LEMONADE” cruza um instrumental arrojado com a mestria inconfundível de Ty Dolla $ign. É a terceira colaboração deste duo, depois de “Rain Come Down” (2017) e “Feels Like Summer” (2018). Apesar desta vez ser uma participação bastante curta, o rapper convidado harmoniza melodias adocicadas que contrastam com a brutalidade das emoções exprimidas por Vince Staples: “Nowhere to go when we in a cage/Sometimes life tastes bittersweet”.

Temas como “PLAYER WAYS” e “MAMA’S BOY” são marcados pela rivalidade urbana, conflitos familiares e inseguranças. Já “ROSE STREET” é o segundo single comercial do álbum. “She said she in love, what’s that?/Trust, what’s that? Us, what’s that?” é um dos últimos remates de Vince Staples. É uma música de desamor numa perspetiva duvidosa à ideia de romance. Este olhar desacreditado de Vince Staples é, sobretudo, sobreposto pela lealdade incondicional aos amigos (“I’m only bringing flowers to homies’ graves”).

Os últimos segundos de RAMONA PARK BROKE MY HEART são como os primeiros. “THE BLUES” conclui com confissões, uma vez mais, conduzidas pelo som das marés. Entre avanços e recuos, o artista fica suspenso numa dormência emocional, mas consciente do seu crescimento e superação. Ouvem-se suaves acordes de guitarra compassados, que acompanham os refrões dissilábicos, brandos e serenos.

Este projeto é mais do que uma contemplação ambígua do progresso  de Vince Staples enquanto músico. O disco é testemunha do florescer sonoro e da expansão de narrativas. Na sua discografia, Ramona Park é mencionado como um bairro conflituoso sob permanente vigilância policial. Ainda assim, Vince Staples reconhece que lá também viveu as suas melhores memórias. Pode ter despedaçado o seu coração, mas RAMONA PARK BROKE MY HEART emoldura o melhor numa herança evolutiva musical.