Parece que ainda foi ontem que Squid Game (2021) marcou os ecrãs da Netflix e foi visionada por milhões de utilizadores da plataforma ao redor do mundo. Num serviço de streaming recheado de conteúdos, na larga maioria, em inglês ou de produção americana, foi surpreendente este acontecimento. Não foi a primeira vez que uma produção cinematográfica ou televisiva exterior ao mundo cinematográfico americano tomou conta dos olhos do público mundial. Por exemplo, Parasitas (2019) ganhou o Óscar de Melhor Filme, sendo a primeira produção numa língua não inglesa a conseguir esse feito. No entanto, essa proeza foi conseguida somente em 2020, sendo que a premiação já toma lugar há mais de 50 anos. Isto levanta algumas questões acerca de que conteúdos tem tido um lugar de destaque no panorama global da Sétima Arte.
Considerando que o cinema foi criado pelos irmãos Lumière e Méliès (ainda que se discuta a exatidão desta afirmação), em França, no século XIX, a sua evolução tomou diversas rotas, que se expandiram para pontos comuns e semelhantes, porém com especifidades diferentes. Nascendo diferentes focos em distintos pontos do mundo, o cinema floresceu e consolidou-se como uma das artes mais atraentes para as massas. Não só se tornou uma das atividades de lazer favorita das populações, como contribuiu com retratos sociais e culturais que permitiram grandes reflexões sobre a sociedade. Aliás, o cinema por si só é uma reflexão de comportamentos, ideias e conceitos veiculados pela Humanidade. A par dos grandes contributos filosóficos, o grande ecrã resultou no aprimoramento de técnicas visuais que fascinam até a alma mais dura.
Nos inícios do século XX, temos guerras e tormentas, mas as salas de cinema não fecham. Pelo contrário, cada vez aparecem mais e com elas aparecem génios como Chaplin. Novas guerras chegam e desta vez, mais totalitárias do que nunca. Alemanha nazi e Itália fascista, com as suas vertentes autoritárias e sanguinárias, perceberam que o cinema não era um inimigo, mas um aliado tão poderoso e subtil, que as mensagens que queriam transmitir podiam ser passadas de forma bastante disfarçada e eficaz. Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, a indústria, que viria mais tarde a tornar-se a grande Hollywood, começa a dar passos mais largos. Obviamente que o cidadão da Itália não iria certamente ver um filme de Hollywood ou O Couraçado Potemkin (1925), produzido na União Soviética. Para termos noção do quanto o mundo era fechado e o cinema produzido nos países era somente para consumo doméstico, este último filme chegou a Portugal em 1975, 50 anos depois de ter sido apresentado pela primeira vez.
Muitas coisas se seguiram. Com o surgimento da imagem a cores, o fim da guerra e com mais interesse para nós, Hollywood consolida-se como a maior potência cinematográfica do mundo. Apesar de não ver as suas obras cinematográficas em todos os ecrãs do mundo, a Época de Ouro do cinema americano garantiu-lhe o lugar como maior referência cinematográfica do mundo. Os anos foram passando, as indústrias desenvolveram-se e apesar de menos acelerada, Hollywood vêm desde então a apresentar-se como auge do cinema mundial. Deste modo, os grandes filmes de cada ano são, maioritariamente, americanos, tanto em termos de bilheteira como de atenção do público e da crítica especializada.
Coloca-se a seguinte questão: será sempre o cinema americano a principal força cinematográfica no nosso planeta? Esta pergunta é um pouco difícil, uma vez que, em mais de cem anos de história da Sétima Arte, a preponderância é atribuída aos Estados Unidos. Claramente podem ser feitas referências ao infame cinema francês, a Bollywood e outros polos. No entanto, a atenção e consumo exacerbado recaí em produções de língua inglesa.
Felizmente (ou infelizmente, uma vez que ainda num ritmo lento), produções oriundas dos mais distintos cantos do globo começam a ter lugar nos maiores outdoors e a serem comentadas por milhões de pessoas pelo mundo fora. Estes projetos, que tem conseguido conquistar o coração das audiências, têm se transformado em referências do cinema e abrem portas para que outros se levantem também. Desde a vitória de Parasitas, mais filmes estrangeiros tem a oportunidade de contarem com as mãos cheias de nomeações tanto nos Óscares como noutras grandes premiações e festivais. Na edição deste ano dos Prémios da Academia, Conduz o Meu Carro (2021), A Pior Pessoa do Mundo (2021) e Flee – A Fuga (2021) foram algumas das produções mais aclamadas. De uma lista de nomeados maioritariamente americana, notam-se novos nomes que, muitas vezes, nos soam estranhos.
Na televisão, o processo é o mesmo. Dark (2017 – 2020), Élite (2018 – ), La Casa de Papel (2017 – 2021) e Alice in Borderland (2020 – ) são apenas alguns nomes das variadas produções de excelência que tem alcançado bons resultados de audiências têm se tornado inesquecíveis para os espectadores. Em particular, as plataformas de streaming têm ajudado no apogeu de conteúdos não-ingleses. No entanto, a Netflix é a única plataforma que realmente tem dado passos mais largos para que conteúdos de todos os cantos do mundo possam ser visionados e aclamados como merecem. Isto pode ser visto nos seus investimentos e naquilo que está a preparar para o futuro. Por exemplo, a plataforma assinou um contrato exclusivo com uma companhia audiovisual sul-coreana para aumentar os conteúdos desse país.
Devagar se vai ao longe. E, para além do trabalho e investimento que as empresas têm dedicado a trazer novas coisas dos quatro cantos do mundo, o próprio público tem se demonstrado muito mais interessado em consumir séries fora da caixa, com linguagens e sítios diferentes, nas quais se dão a conhecer outras culturas.
Hollywood continua a ser Hollywood e, por isso, continua a segurar firmemente o seu lugar no topo, contudo, está a caminhar para mudanças. Certamente, essas mudanças vão conduzir-nos a alterações enquanto indivíduos e sociedades. Um filme é muito mais que uma imagem e palavras. Um filme é a abertura para a vida de uma pessoa num determinado sítio, sujeito a uma determinada cultura e a problemas com os quais eu posso não me confrontar. Talvez esta expansão de conteúdos nos ajude a melhorar.