Enquanto portugueses, gostamos de considerar Portugal um país desenvolvido e uma potência no que diz respeito ao desporto. A verdade é que, de facto, temos provas dadas em diversas modalidades. Exemplo disso é a conquista do Europeu de Futebol, em 2016, o título de Campeões Mundiais de Futsal, em 2021, e as várias medalhas ganhas por Pedro Pichardo, Telma Monteiro, Nélson Évora, entre outros, nos Jogos Olímpicos.

Mas será que o facto de Portugal ser bem sucedido em diferentes vertentes do desporto é, por si só, garantia de que vivemos num país onde a cultura desportiva é abundante? O título deste artigo revela a minha posição quanto a essa questão. A realidade é que, por mais que queiramos passar a imagem de uma nação desenvolvida desportivamente, não o somos. E porquê?

Num dos seus últimos jogos enquanto jogador profissional, Zé Castro, capitão da Académica, deixou uma reflexão: “a nível de futebol ainda somos um país bastante ignorante. Cada vez há menos gente a gostar de futebol e mais gente a querer só ganhar”. As palavras de um atleta de 39 anos que conhece bem a realidade do desporto em Portugal corroboram a ideia de que no nosso país não existe uma cultura desportiva, mas sim uma cultura de vitória.

Toda a gente quer ser do clube que ganha. Todos afirmam que o seu clube é o melhor e que possui mais conquistas. Por que razão isso acontece? Será por um amor desmedido, cuja consequência é transformar a visão do fanático ao ponto de este ser apenas capaz de exaltar as qualidades do símbolo que apoia e menosprezar as dos demais? Também, mas não só.

O sentimento de fazer parte de uma conquista, nem que seja somente enquanto adepto, faz-nos sentir autorrealizados. E acreditamos veementemente que é de um sucesso nosso que se trata. É inerente ao ser humano a satisfação gerada pelo facto de sermos os melhores em alguma coisa. Festejar um título da nossa equipa é mais do que isso. É festejar aquilo que os nossos rivais não foram capazes de conquistar. Mais do que vencer, é poder dizer aos outros que se venceu.

Talvez isso explique o porquê de, em Portugal, a larga maioria da população se dividir por apenas três clubes – os ditos grandes. Não só a população, mas grande parte da comunicação social restringe o tema futebol a três emblemas, como se tudo o resto fosse a paisagem longínqua de um panorama nacional que se quer tripartido. Como se todos os outros não passassem de clubes pequenos.

Clubes pequenos que, por não festejarem vitórias todas as semanas, não são, segundo o comum aficionado, dignos de o representar. Porque todos nós somos a personificação da excelência em tudo aquilo que realizamos. O nosso ego não é capaz de conviver com a derrota e é por essa razão que, em Portugal, assistimos à metamorfose da paixão pelo desporto numa paixão pela vitória.

Salvo raras exceções, apenas três clubes portugueses conseguem encher o seu estádio. O que, por sua vez, dá origem a uma evidente falta de competitividade na Liga Bwin, onde existem clubes com um orçamento de 180 milhões de euros e outros com apenas três. Talvez quem devesse ser considerado pequeno não fossem os clubes, mas sim a mentalidade e a cultura desportiva em Portugal.

Sentimos inveja do futebol inglês e dos seus estádios lotados de fervorosos fãs. Do primeiro ao quarto escalão, não há recinto na terra de Sua Majestade que não esteja preenchido com uma imponente moldura humana. Impensável no nosso país. Mas qual o motivo da discrepância entre o modo de viver o desporto na Inglaterra e em Portugal?

Mais do que a centralização dos direitos televisivos, a grande diferença são as pessoas. O bairrismo do povo inglês fá-lo apoiar aguerridamente a sua equipa local e impede-o de ser adepto de um clube situado a 700 quilómetros de distância. Pouco importa se os clubes de Manchester ou de Londres são os melhores e os que possuem um palmarés mais glorioso. Em Sheffield, imperam os emblemas de Sheffield.

Em Portugal, tal fenómeno seria utópico. Quando se interpela alguém, no nosso país, sobre a sua afiliação clubística, apenas três respostas são esperadas. E quem ousar desviar de tal dogma certamente não evita o confronto com uma questão recorrente: “mas e dos grandes?”.

No que diz respeito às modalidades, todos nós somos profundos conhecedores e especialistas nas mais variadas vertentes desportivas, assim que se iniciam os Jogos Olímpicos. Todos entendemos de canoagem e sabemos de cor as regras da esgrima e do judo.

Mas a verdade é que raramente dedicamos o nosso tempo a assistir a algo que fuja ao radar do futebol. Desconhecemos a realidade do desporto em Portugal e as condições de treino dos nossos atletas. No entanto, quando chegam os Jogos Olímpicos, não esperamos nem exigimos menos do que a conquista de medalhas. Porque a vitória é tudo aquilo que importa num país onde o desporto fica para segundo plano.

É preciso repensar a cultura desportiva em Portugal. Mais do que isso, é necessário cultivá-la. Afinal, qual é a cultura desportiva de um país onde a equipa mais comentada e escrutinada é a de arbitragem? Que cultura desportiva pode existir numa nação onde clubes centenários como o SC Braga, o Vitória SC e o Boavista FC são denominados pequenos?