Por todo o país, fala-se das queimas das fitas, que inundam as academias durante uma semana de despedidas, mas também de começos e até regressos. Em Braga o nome distingue-se. Conhecido como o Enterro da Gata, estas monumentais festas celebram os anos que foram e que são viagem, e o fado de todos os estudantes: partir.
O Enterro é para muitos o momento mais esperado do ano. Em todas as suas raízes, transborda emoção e tradição. Quer no arranque, de tricórnios erguidos sob as vestes negras que embalam as centenas de corpos na escuta atenta das melodias das solenes Serenatas; quer no mar de cores dos finalistas que recebem as suas insígnias num dia que finda mais uma etapa com lágrimas, agradecimentos, recordações e sonhos; quer na chuva de cerveja que invade as ruas de Braga, juntamente com os carros alegóricos, a música, os doutores e caloiros no seu último grito pela academia; quer nas sete noites mal dormidas de colossal euforia, concertos, copos e convívio.
A tradição é centenária. Recuamos a 1531, Colégio de S. Paulo, Braga. Os estudantes do liceu organizavam um séquito em que era transportado um caixão com uma gata no interior. Posteriormente, era atirada à água. Todo o ritual servia para afastar a reprovação no final do ano escolar, personificada na gata, e a ameaça que isso arcava. A crença nesta superstição perdurou e a gata continuou a ser enterrada, agora por universitários. Contudo, a identidade tão peculiar e distinta da academia minhota teve tempos de intervalo. Por exemplo, em 1969, durante os movimentos estudantis na crise do Estado Novo, com o cessar das tradições académicas. A Universidade do Minho passou a seguir os modos de Coimbra. O rumo da história mudou com Luís Novais, presidente da Associação Académica da Universidade do Minho entre 1988 e 1991 e aluno de História. O estudante fez renascer a Academia e os seus anciães costumes, como o traje, único e exclusivo no país, e o Enterro da Gata.
Assim, esta semana é magia, história e tradição. Tem a sua própria personalidade, que traspassa para o peito daqueles que com orgulho e respeito envergam as cores do curso. Na alameda do Estádio Municipal de Braga ou no Altice Forum, o ponto de encontro é indiferente quando o ambiente é sempre acolhedor. Quase intimista, muitos dizem. Sabe a caseiro, a familiar. Mesmo num espaço com capacidade para acolher mais de 20 mil pessoas.
Há dias e atuações para todos os gostos, incluindo as clássicas e assíduas presenças de nomes fortes. Nos sete dias em que os finalistas se despedem da vida académica e os caloiros do primeiro ano, o adeus partilha-se com os artistas que fazem a folia do evento. Após dois anos de interrupção, não é só a plateia ao rubro que espera ansiosamente pelo calor humano do recinto. Os músicos agradecem várias vezes ao longo dos espetáculos. Sentem-se realizados por finalmente pisarem um palco com um público que os recebe de forma tão enérgica e contagiante, sem qualquer tipo de restrição. Esta é uma saudação de despedida que também tem a sua dose de reencontro. Ao mesmo tempo que se diz adeus à academia, volta-se a dizer olá às festividades de grande dimensão. Porque, no fundo, quem hoje o faz não o conseguiu fazer em 2020.
Sendo o cartaz “outra vez arroz” ou não, a realidade é que o Gatódromo, adormecido dois anos, voltou a abrir os braços aos estudantes e a dar-lhes uma das melhores semanas das suas vidas. Foi o regresso da cultura aos grandes holofotes académicos.