Atualmente, já todos temos consciência dos efeitos negativos das redes sociais e da performance associada à partilha de conteúdos cautelosamente selecionados e produzidos. No entanto, quem anda mais atento também já reparou na nova moda das fotografias inestéticas, dos photo dumps e da procura de autenticidade online. A rejeição do esteticamente agradável e do obviamente encenado vem transformar o mundo das plataformas de partilha de imagens, mas será mesmo uma revolução?
Com o primeiro confinamento causado pela pandemia, em 2020, começaram a crescer os photo dumps e a ideia de postagem casual no Instagram. Queríamos todos mostrar que encontrávamos alegria nas coisas pequenas e que éramos pessoas reais, enquanto passávamos uma hora a escolher a ordem das imagens na publicação. Ainda assim, rapidamente se percebeu toda a ponderação e estratégia por detrás dessa falsa casualidade. Aos poucos, foi-se dando uma evolução natural na busca da genuinidade – as imagens antiestéticas.
Provavelmente, já quase todos notamos que cada vez mais o feed e as histórias do Instagram estão carregados de selfies no espelho, com imenso zoom e uma qualidade horrível. Também já vimos as fotografias desfocadas, com o conteúdo quase impercetível, ou as capturas de ecrã mais aleatórias que aquela pessoa que seguimos encontrou na galeria e decidiu publicar. Entre estes exemplos, há muitos mais por dar e é um fenómeno que tem bastante que se lhe diga.
Não sei se pode ser designado como um movimento contracultural, mas é, sem dúvida, uma reação à ideia de perfeição que as redes sociais perpetuam. Terá ainda a ver com o ciclo de modas e com o renascimento do estilo das décadas de 90 e 2000. O florescimento do interesse pela fotografia analógica trouxe as fotos cheias de grão e sobre ou subexpostas, mas, ainda assim, visualmente agradáveis. O gosto pela imperfeição aumentou também a procura das câmaras digitais obsoletas, com o objetivo de tirar fotografias ou gravar vídeos com baixa qualidade intencionalmente.
O abandono da perfeição visual parece contraditório numa altura em que a qualidade das câmaras dos telemóveis é exponencialmente melhorada a cada dia. A verdade é que a era dos filtros de beleza chegou ao fim. Além da preferência pela crueza, há até quem vá mais longe e use filtros e edição para tornar as fotos propositadamente imperfeitas. É bom estarmos a afastar-nos das garras da beleza encenada, mas será a autenticidade encenada assim tão diferente?
Apesar de tentar contrariar a insinceridade das redes sociais, a busca pela imagem de uma pessoa genuína, relaxada e que não se preocupa em mostrar uma vida perfeita é igualmente performativa. Trata-se mais da adoção de uma nova estética do que de uma revolução, mas, ainda assim, a demanda de autenticidade começa a ter efeitos. Falo do surgimento de aplicações como a BeReal, que dá aos utilizadores um intervalo de dois minutos diários para partilhar uma foto, avisando os outros quando a foto é publicada com atraso e mostrando o número de tentativas capturadas. O objetivo é precisamente que as pessoas mostrem a sua vida real, mas vários utilizadores já admitiram a mesma preocupação em parecerem pessoas interessantes nas fotos “casuais” que partilham na app.
O panorama da “fotografia social” está a mudar rapidamente, juntamente com a forma de como partilhamos imagens. A associação da harmonia visual e do cuidado estético à inautenticidade e à performance é cada vez mais evidente, mas não significa que o oposto seja completamente genuíno. É importante não esquecer que uma fotografia é, sobretudo, a escolha do que queremos capturar e que a partilha é um ato deliberado.