No centro de estudos “O Aprovado”, os ucranianos residentes em Ferreiros, em Braga, aprendem a língua portuguesa. As aulas são lecionadas pela professora Sara Silva, mestre em Português Língua Segunda e Língua Estrangeira, que não hesitou na hora de ajudar. “Assim que me apercebi da chegada de refugiados ucranianos à freguesia, disponibilizei logo os meus serviços enquanto professora”, enuncia.
Aqui os livros e as canetas substituem o som dos bombardeamentos e permitem escrever um novo destino para os cerca de quinze ucranianos presentes na aula. Desde as crianças até aos mais idosos, no “Aprovado”, todos mostram o mesmo empenho e a mesma vontade de aprender. É o caso de Svitlana, atleta ucraniana retida em Braga. Nem o facto de considerar a língua portuguesa “muito difícil” a demove.
Hoje é dia de aprender o vocabulário associado ao corpo humano. No entanto, antes da aula ter início, uma presença incomum não deixou de ser notada e a estranheza era visível no olhar de quem nos observava. “São ucranianos?”, questionaram. Afirmámos ser portugueses. “Então vêm aprender russo?”.
Sara Silva começou a aula a ensinar como descrever os diversos tipos de cabelo. Desde liso até encaracolado, passando pelas cores claras e escuras, Halyna não cingiu a sua descrição a nenhuma destas opções. “O meu cabelo é bonito”, disse convictamente a jovem ucraniana. Os risos originados pela declaração de Halyna transmitem uma sensação de conforto e bem-estar, que podem parecer estranhos vindos de quem passou por um contexto tão difícil como é a guerra.
São risos de quem se sente em casa, mesmo num sítio onde só vive há pouco mais de dois meses. “Estou a gostar muito de estar em Braga. Os portugueses têm bom coração e estão sempre prontos para ajudar”, explica Natalya, outra atleta ucraniana. Ainda assim, confessa que, quando a guerra terminar, a intenção é regressar à Ucrânia. “Tenho lá toda a minha família”.
Contudo, enquanto as armas não se calam e não é possível escutar o silêncio da paz, estes refugiados ucranianos procuram refazer a sua vida em Portugal. “Felizmente tenho me apercebido que muitos deles já se encontram a trabalhar e têm a vida organizada”, conta-nos Sara Silva.
Carolina Teixeira, presidente da Junta da União de Freguesias de Ferreiros e Gondizalves, acrescenta que o objetivo do ensino do português aos refugiados ucranianos está, por essa razão, a ser cumprido. “Esta iniciativa pretendia ajudar à integração destes refugiados no mercado de trabalho e facilitar a comunicação com os portugueses”, salienta.
A autarca considera que a língua é “o maior entrave” para os ucranianos residentes na freguesia. “Por não falarem inglês, é um pouco difícil conseguir interagir com eles.” A solução encontrada é o Google Tradutor. Contudo, entre risos, Carolina Teixeira confidencia: “por vezes, o tradutor automático também nos prega umas rasteiras”.
A questão linguística está, todavia, longe de ser uma barreira impeditiva à integração destes refugiados ucranianos. Svitlana, Natalya e Iryna, as três atletas retidas em Braga, não deixaram que o entrave da comunicação as demovesse de recomeçarem as suas vidas em Portugal e avançaram com uma proposta à presidente da Junta, Carolina Teixeira.
“Pediram-me que disponibilizasse o pavilhão, para que pudessem dar aulas de ginástica e assim começarem a atividade profissional delas em Portugal”. Esse pedido foi aceite? Carolina Teixeira responde que, “da parte da Junta de Freguesia, sim, mas, por questões burocráticas, ainda não foi possível concluir o processo. É necessária ainda a autorização do governo”, esclarece.
Apesar de não ter ainda avançado, a iniciativa levada a cabo pelas três ucranianas é, para a autarca, sintomática de uma plena adaptação das atletas à freguesia. “Elas já se deslocam muito bem aqui na zona de Ferreiros e até já dizem algumas palavras em português. Penso que estão completamente integradas”, completa Carolina Teixeira.
No entanto, todos estes refugiados ucranianos permanecem presos num binómio de sensações. Por um lado, sentem-se bem acolhidos em Portugal e demonstram a vontade de refazerem as suas vidas num “país de pessoas com bom coração”. Por outro, não escondem as saudades da família nem a mágoa de terem sido obrigados a abandonar as suas casas. Por enquanto, afastados da sua terra natal, resta ao povo ucraniano continuar a viver um dia de cada vez, numa altura em que o futuro está ainda longe de ser uma realidade conhecida.
De portas abertas para aqueles que escaparam da guerra
A residencial Satélite, situada numa zona movimentada da freguesia de Ferreiros (Braga), é neste momento a casa de sete ucranianos. Não se trata de sete refugiados, uma vez que três deles não possuem esse estatuto. São três atletas que ficaram retidos em Portugal aquando da realização do Campeonato Europeu de veteranos, na cidade de Braga.
Para além de residencial, esta estrutura alberga também um restaurante que não passa despercebido àqueles que por perto circulam. Exemplo disso é o imponente letreiro vermelho por cima da entrada, onde é possível ler “Satélite dos Leitões”. Paula Azevedo, uma das proprietárias, preparava-se para mais um dia atarefado, quando nos abriu as portas do estabelecimento.
“Aqui são dadas todas as condições possíveis para que os refugiados possam ter uma vida digna neste período difícil”, enfatiza. Apesar destes ucranianos terem escapado fisicamente da guerra, o drama e a amargura causados pelo conflito no seu país atravessam todas as fronteiras. “Quando contactam os seus familiares que ainda vivem na Ucrânia, por vezes, tomam conhecimento de pessoas próximas que faleceram”, acrescenta Paula Azevedo.
Habituado ao sofrimento provocado pela guerra, está também Secundino Azevedo, outro proprietário da Residencial Satélite. Combateu na Guiné até ao 25 de abril. Paula Azevedo conta-nos que foi esse o motivo que “influenciou bastante a decisão de acolher os refugiados ucranianos”.