A procura pela individualidade num mundo obcecado com o progresso é um dos temas desta obra publicada em novembro de 2021. Em Mundo Belo, Onde Estás?, Sally Rooney explora a vulnerabilidade de encontrar o “eu” durante o crescimento. A autora irlandesa observa o mundo e escreve sobre o que vê: pessoas normais, instáveis e complexas.

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O enredo destaca os quotidianos de Alice e Eileen, duas amigas que estão a entrar no patamar dos 30 anos. Acompanhamos as suas interações com Felix e Simon, com quem partilham relações disfuncionais e claramente pouco saudáveis. Através do convívio entre os quatro, cada um deles induz e influencia o desenvolvimento dos outros, de forma genuína e natural. Não obstante, há um conflito entre as predisposições internas das protagonistas e as expectativas das pessoas à sua volta. Inconscientemente, a personagem de Eileen serve como um travão para o constante caos competitivo que é a nossa sociedade, e que a própria Alice representa. Ela sente imensa pressão por parte da família para procurar um emprego melhor. Contudo, assume o seu fracasso profissional numa idade em que todas as oportunidades estão ainda em aberto. Alice é uma escritora extremamente bem-sucedida, mas que não se orgulha da sua carreira, nem reconhece o seu talento. Deste modo, anseia sempre evoluir e ser melhor. No que diz respeito às personagens masculinas, estas não são tão desenvolvidas. Sabemos que são problemáticas e pretensiosas, e têm atitudes e opiniões machistas que não são, de todo, moralmente corretas. De forma geral, as personagens femininas do universo de Sally Rooney são, intencionalmente, bastante centradas na personagem masculina com a qual se relacionam. Todas elas são profundamente inteligentes, com opiniões bem formadas e seguras, mas que, ainda assim, se subjugam ao mundo machista que as cerca. Perdem-se do “eu” para imergir no dos seus parceiros.

Cada capítulo desta obra literária é, em si, uma destruição da narrativa. Esta estrutura do romance é fracionada, o que contribui para a quebra na velocidade e constante inovação inerentes ao século XXI. Os capítulos passivos e impessoais narrados na terceira pessoa são interrompidos por e-mails partilhados pelas amigas, onde podemos efetivamente conhecer a nudez da densidade emocional e intelectual das protagonistas. Dentro deles cria-se um pequeno mundo confortável onde a vulnerabilidade é valorizada e há abertura para se comunicar sobre os pensamentos mais abstratos. Não é um livro necessariamente sobre acontecimentos, mas sim sobre as pessoas que o compõe.

A banalidade do quotidiano é o tema principal da obra de Sally Rooney. Não escreve sobre nada em concreto, ao mesmo tempo que analisa e disseca as particularidades das relações humanas do século XXI. Escreve, sobretudo, sobre a realidade que lhe é mais familiar. Por esse motivo, acaba por cair na repetição do cenário e traços emocionais das personagens, comum em todas as suas obras. Por norma, são jovens irlandeses privilegiados entre os 20 e 30 anos que têm severos problemas de comunicação. As personagens são ambíguas, questionáveis e, por isso, imensamente realistas. Muito bem construídas, logo relacionamo-nos imediatamente com elas apesar de todas as suas incongruências. Os diálogos tão reais e crus ilustram a complexidade das relações humanas e as sensações são tão palpáveis que dão a impressão de que fomos nós próprios a vivenciá-las.

O conceito de crescer sugere intrinsecamente desconforto, dúvidas e confusão. Enquanto seres sociais sentimos a necessidade de categorizarmos a nossa existência num grupo, não só através do meio social e político no qual estamos inseridos, mas também através das relações interpessoais de amor e amizade, religião e sexualidade. Todas as características humanas são efémeras e durante esse processo a nossa personalidade altera-se constantemente e é necessário permitir-nos a modificá-la. Em Mundo Belo, Onde Estás?, testemunhamos todo esse processo de construção e adaptação do “eu”. As falhas de comunicação, que aparecem como um tema transversal na sua obra, obrigam as personagens a procurar o autoconhecimento. Desta forma, mesmo que nem sempre se tornem pessoas melhores, são mais conscientes das influências que têm nas interações sociais.

Sally Rooney articula melhor do que ninguém as dificuldades e experiências inerentes ao século em que vivemos. Desde a escrita marxista à desumanização dos escritores, dá voz, através das suas personagens, a temas desconcertantes com os quais se debate constantemente e nem sempre são retratados na literatura contemporânea. Alice e Eileen procuram insaciavelmente pela beleza do mundo dentro do estado caótico em que este se encontra.