Cunhada com um carácter verídico e um notável valor histórico, o romance de Charlotte de Castelnau L’Estoile, revela-se uma obra emotiva, intrigante e, acima de tudo, impactante. O enredo de Páscoa e Seus Dois Maridos é ambientado no século XVII, uma época de forte tradicionalismo que acompanha a jornada de Páscoa.  A narrativa desenvolve-se quando a escrava africana é acusada do crime de bigamia, presenciando a vivência de uma personagem tanto apaixonante quanto corajosa.

DRA obra foi publicada no passado mês de maio, e, resulta da investigação da autora e historiadora, L’Estoile, sobre o processo inquisitorial português de Páscoa. Um historial conservado durante 300 anos em território português. Assim, o leitor é transportado pela comovente jornada da protagonista, com especial ênfase para a sociedade tradicionalista portuguesa e à temida Inquisição.

Contudo, e apesar do enredo ter especial foco nas vivências da figura em Portugal, a obra remete para dois países tão distintos quanto iguais: África e América do Sul. Após ter sido presa no Brasil, Páscoa é enviada para a capital portuguesa acusada do crime de bigamia. Uma consequência do matrimónio que contraiu com o seu segundo marido. Marcada pela violência atroz e o medo daquele que constituíra um período negro da história da humanidade, Páscoa e Seus Dois Maridos representa a inteligência e a coragem da nobre personagem.

Público

Em termos críticos, é de salientar o carácter histórico e de investigação bastante vincado. De facto, a autora dá especial enfâse à mentalidade conservadora da sociedade portuguesa. Mais concretamente, à crença religiosa enraizada que guia os seus comportamentos e a acusação da personagem principal. O lado histórico e verídico da obra permite ao leitor, numa primeira instância, uma leitura facilitada, isto porque concilia o conhecimento necessário à compreensão da obra com o relato de Páscoa..

Numa segunda instância, confirma o caráter verídico da jornada da personagem, o que cunha à leitura uma acrescida emotividade e aproximação com as emoções retratadas. Outro aspeto saliente, prende-se com o debate que a obra incita no leitor. Realmente, no avançar das páginas, são levantadas questões importantes, tais como a escravidão, a mentalidade e valores da sociedade. Além da própria existência da Inquisição.

Por outro lado, a jornada violenta e turbulenta da personagem desperta no leitor um senso de justiça e parcialidade, incitando o surgimento de questões relativas à dignidade e justiça humanas. Mas também, à conduta de instituições que violam esses princípios. A leitura da obra atribui, ainda, um carácter humano aos relatos violentos e sangrentos, tornando-a, mais humana e emotiva. Vale ainda a pena salientar a personagem de Páscoa como motivo de inspiração, e, aproximação por parte do leitor.

Jilbert Ebrahimi

Assim, o seu relato como uma figura corajosa, inteligente e lutadora, retrata uma personagem que não se deixa intimidar perante a Inquisição e os que nela fazem vingar o seu nome. Tudo isto, produz, de certo modo, uma personagem inspiradora. Um aspeto que poderá incitar os que a acompanham, através da obra, a tomar posições justas e a lutar pelo que consideram correto.

Por fim, é importante referir a escrita da autora e o seu impacto no enredo para a compreensão da totalidade da obra. A autora relata a impactante história de Páscoa por via de uma escrita simples e de fácil compreensão. Esta inteligibilidade cria suspense e permite ao leitor acompanhar o enredo como se nele se incluísse. Por tudo isto, Páscoa e Seus Dois Maridos constitui uma narrativa completa. Não só por ser guiada pela emotividade, mas também, pelo debate introspetivo dos princípios e valores de uma sociedade que nos precede. Apesar disso, a obra edifica o relato de uma mulher que mesmo subjugada ao poder duma mentalidade conservadora e injusta, fez ouvir a sua voz, impondo-se com dignidade e coragem.