O Grupo de Teatro da Associação Nacional Estudo e Intervenção na Sobredotação Braga surgiu no início de 2022. Sobre a orientação de Cristina Silva, 11 crianças e jovens sobredotados reuniram-se todas as semanas para construir e preparar um momento de expressão criativa, designado por “O Clube dos Poetas Vivos”.
O auditório do Museu Dom Diogo de Sousa está às escuras, apenas o palco se encontra iluminado. Descemos as escadas laterais até nos depararmos com seis raparigas e cinco rapazes sentados em meia-lua. Irrequietação, risos e gargalhadas ecoam no espaço. Com eles encontra-se Cristina Silva, a professora de teatro. As últimas indicações são dadas para que o ensaio possa finalmente começar.
Segundo a professora, o objetivo do grupo é “criar um espetáculo onde se fizesse um elogio à palavra poética”. Assim, os alunos tiveram a oportunidade de dizer poesia “como quem conta uma história”, sendo o contacto com o texto poético realizado de uma “forma informal”. O filme “O Clube dos Poetas Mortos” (1989) foi o que serviu de inspiração para a construção do teatro, pois “faz um elogio incrível ao poder da palavra como processo de transformação interior”, como descreveu Cristina Silva.
A peça de teatro engloba várias histórias, indo do mar para a terra, “terminando no centro da Europa com o que se passa atualmente na Ucrânia”. Isto envolveu a exploração de “vários estados de alma e de várias emoções. Desde a serenidade ao devaneio do pirata. Desde a alegria das crianças a brincar até às apreensões do dia a dia”, explicou Cristina Silva. Foi assim criado “uma espécie de livro de contos com poesia”.
Tendo sido o guião desenvolvido pela própria, Cristina Silva esclareceu que foi “a vida” que motivou a escolha dos temas. “A diversidade de emoções” que fazem parte da vida foi o fio condutor da narrativa. “A alma humana é muito rica e as peripécias pelas quais passamos também o são” e isso ficou patente no trabalho realizado.
Trabalhar com crianças sobredotadas foi para Cristina Silva “um desafio”. “Eles chegam lá facilmente e depois dão sugestões. Isso para mim é desafiante. Eu gosto muito de poder dialogar, ouvir e de partilhar ideias”, confessa. Facilmente compreenderam a lógica da peça de teatro, procurando perceber o porquê de ter sido escolhido determinado texto ou objeto. “Porque é que há xailes vermelhos e outros pretos? Qual o significado das cores?” foram algumas das perguntas levantadas pelos elementos do grupo. Desta forma, a construção conjunta do momento artístico foi um dos pontos mais positivos. “Eles não estavam à espera de que eu apresentasse todas as soluções, eles próprios também tinham sugestões”, admite.
O entusiasmo da professora é partilhado pelos próprios alunos. Filipe, de 11 anos, admitiu que adorou a experiência. “O grupo de teatro foi incrível. Apesar de terem acontecido alguns momentos de tensão, valeu a pena e diverti-me muito”. Também Maria Helena, de 7 anos, confessou que “foi muito divertido e engraçado falar para as pessoas”. “No início, achei estranho porque não percebi sobre o que era [a peça de teatro], mas depois acabei por perceber”. Já Joana, com 11 anos, revela que a experiência foi “inesquecível” e “desafiante”.
De acordo com o artigo O Papel dos Professores na Identificação de Crianças Sobredotadas: Construção e validação de uma escala de despiste (2002), a sobredotação não tem uma conotação estritamente intelectual. As crianças sobredotadas possuem capacidades associadas ao “desempenho superior (aptidão, criatividade e envolvimento) em áreas de realização reconhecidas socialmente”.
Cristina Silva considera que “o teatro e a criação de um espetáculo são muito importantes para o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças”, mas não só. É algo que recomenda a pessoas de todas as idades. “A participação nestas iniciativas permite explorar dimensões que não são exploradas no dia a dia. Para explorar a expressão corporal, a palavra e chegar às emoções dos outros é preciso primeiro procurar nas nossas emoções e memórias”, reconhece. É no teatro que Cristina Silva vê um “espaço de libertação”, capaz de “ampliar a visão do mundo” e o “confronto com outras possibilidades de vida”.
A dissertação A Contribuição e a Importância do Teatro na Educação Integral da Criança (2013) refere que “a atividade teatral exige uma disposição de focalização do momento presente, exigindo a presença e participação do indivíduo por inteiro”. O trabalho de investigação reconhece que “o carácter transversal da criatividade permite-lhe ser uma engrenagem em variadas áreas disciplinares”, sendo por isso importante na educação das crianças.