Lilo & Stitch estreou a 16 de junho de 2002. A 42ª longa-metragem de animação da Disney, que acompanha a história de vida de uma rapariga órfã, que adota um animal, desconhecendo que ele é, na realidade, o perigoso resultado de uma experiência genética, celebra este ano o seu 20° aniversário. Hoje, recordamos, com alguma nostalgia à mistura, a amizade que floresceu na diferença.

Para quem desconhece a premissa de Lilo & Stitch, a Walt Disney Pictures encarrega-se de deixar um aviso prévio. Muito antes do embarque na aventura galáctica, pode ver-se o famoso logótipo do estúdio de produção a ser abduzido e, deste modo, é feito o convite para o abandono da Terra, rumo ao Planeta Turo. A verdade é que, mais do que um filme de desenhos animados, com comédia e drama à mistura, a 42ª longa-metragem de animação da Disney compõe-se por pitadas de ficção científica. No entanto, distante do enredo de outras produções, tais como a trilogia de Star Wars, a característica não é determinante para os não simpatizantes de sci-fi.

Ilustração de Stitch, no começo do filme, preso dentro de um vidro.Convite aceite, que se inicie a viagem até Turo. No planeta somos confrontados com o vulto da Grande Conselheira, a líder da Federação Galáctica Unida. A sua presença não é inusitada, uma vez que havia convocado uma assembleia para definir o destino de um autor de experiências científicas ilegais e da sua mais recente criação. Deste modo, com o Quartel General da Federação Galáctica como pano de fundo, o proeminente cientista das Indústrias de Defesa Galácticas, Dr. Jumbo Jookiba, tenta defender o seu caso.

No entanto, rapidamente o destino é traçado – enquanto o Dr. Jumbo Jookiba é aprisionado, a Experiência 626 é condenada ao exílio num asteroide deserto. Contudo, “o feitiço vira-se contra o feiticeiro” e a Experiência 626 consegue fugir, deslocando-se para o quadrante 17, seção 005, área 51, um planeta chamado Terra.

Fotografia de Lilo com a família numa praia. Ao lado, há uma fotografia de Stitch que foi recortada de forma pareça que faz parte da primeira.

Por momentos, abandonamos o universo da ficção científica para conhecermos Lilo Pelekai, uma menina de seis anos, que vive na ilha de Kauai com a sua irmã mais velha, Nani, e cuja morte dos seus pais, a tornou irrepreensível. Ao avistar o que aparentava ser uma estrela cadente, Lilo deixa um pedido apenas – preciso de alguém que seja meu amigo. Alguém que não fuja. Talvez me possas mandar um anjo. Lilo acaba por adotar a Experiência 626, à qual atribui o nome de Stitch.

Por entre as caricatas peripécias de Stitch e os caçadores de prémios, a verdade é que a Experiência 626, ao se aperceber da importância de não estar só, ganha um novo propósito de vida. Assim, aprende a definição de uma nova palavra, Ohana – Ohana significa família. Família significa que ninguém é deixado para trás ou esquecido. Para que consiga encontrar o seu lugar no mundo, vê-se obrigado a moldar-se a algumas normas sociais. Com Elvis Presley como modelo a seguir, redefine-se e, agora sim, pode-se afirmar que não se deve julgar um monstro pela sua monstruosidade.

Lilo mostra a Stitch quem é o Elvis. A menina aponta para uma fotografia do cantor que se encontra perto de um mercado.Deixo, antecipadamente, um pedido de desculpas pelo comprimento do resumo do enredo de Lilo & Stitch. No entanto, a sua extensão resume a principal crítica a apontar à produção. Se, por um lado, o momento de apresentação dos protagonistas, principalmente de Stitch, é vagaroso. Por outro lado, o desenrolar da premissa é desenfreado. Isto não significa que alguma das partes seja prescindível, quer apenas dizer que os moldes de apresentação poderiam ter sido outros.

Após 85 minutos de Lilo & Stitch, ficamos com a sensação de que a produção teria perfil para se transformar numa série de desenhos animados e/ou num magnífico videojogo co-op com tela dividida. A separação da história por episódios permitiria segmentar a informação e acrescer momentos que aparentam estar em falta.Representação da danças tradicionais do HawaiiComo é esperado de qualquer produção juvenil, Lilo & Stitch faz-se acompanhar (e bem) de um conjunto alargado de ensinamentos. Como é percetível, a produção aborda a importância de se aprender a viver em sociedade e a lidar com a diferença. Para que isso seja possível, explica-se que se deve seguir as regras impostas pela sociedade e questioná-las sempre que necessário. Neste processo, é essencial respeitar o eu e o próximo, nas semelhanças e nas diferenças. Lado a lado a estas aprendizagens, a obra cinematográfica explora, ainda, a capacidade de lidar com o luto, a orfandade e as dificuldades de um processo de adoção.

Ademais, o clássico preocupou-se em retratar a cultura havaiana, mesmo que, por vezes, possa ter caído em estereótipos. Fora os diferentes aspetos físicos e posturas das personagens (que sublinham, claramente, uma diferença entre nativos e turistas), Lilo & Stitch conta com a menção a monumentos havaianos, tais como a ponte para Hanalei, o farol Kilauea e a costa Na Pali, demonstra a arte do hula e deixa transparecer o domínio americano sobre o Hawaii. Se, por um lado, o filme se inicia ao som de Hawaiian Rollercoaster Ride. Por outro lado, faz-se acompanhar dos clássicos de Elvis Presley, Hound Dog, Stuck On You’, Suspicious Minds, Heartbreak Hotel e Devil In Disguise.

Resta salientar que a produção é composta por um elenco de excelência. A Experiência 626, mais conhecida por Stitch, é trazida à vida por Chris Sanders. Na versão portuguesa, o ator é substituído por Carlos Freixo. Daveigh Chase ficou encarregue de dar voz a Lilo Pelekai, tarefa destacada para Filipa Maló em Portugal. Por sua vez, Tia Carrere interpretou o papel de Nani (Paula Fonseca), David Ogden Stiers (Luís Mascarenhas) ficou responsável pelo Dr. Jumba Jookiba e Kevin McDonald (Rui Paulo) por Pleakley.

O revisitar de Lilo & Stitch poderia ser uma desilusão, mas, com toda a certeza, que não o é. A química dos co-protagonistas é enternecedora, as intervenções dos antagonistas e coadjuvantes são uma lufada de ar fresco, conduzindo a inúmeros esboços de sorrisos e valentes gargalhadas, e, no final de contas, num filme sobre extraterrestres, não há espaço para monstruosidades, apenas aprendizagens para a vida. No ano de comemoração do 20º aniversário da produção, com live-action já confirmado, não haverá melhor altura para rever Lilo & Stitch.