Conhecido como uma das figuras mais imponentes da literatura japonesa contemporânea, Haruki Murakami lançou Sputnik, meu amor em 1999. A prosa surrealista transmite uma sensação desconfortável da perda de algo, ou alguém, que nunca foi remotamente nosso.
O enredo cinge-se unicamente a três personagens. Todas elas vivem num estranho estado dissociativo em que a realidade parece uma sensação de estar ferrada no sono, e depois aparece alguém que me desmonta peça a peça, para logo a seguir voltar a juntar as peças todas à pressa com medo de que eu acorde, como aludiu Sumire.
O narrador, somente conhecido por K, é um professor primário que vive num mundo de exaltação e fascínio pela sua amiga Sumire, sem nunca, no entanto, o confessar. Eles conheceram-se na universidade e, apesar dela ter desistido para seguir o seu sonho de se tornar escritora, mantiveram o contacto.
Sumire, por sua vez, apaixona-se por uma mulher mais velha, Miu, com quem partilha uma relação meramente platónica e, também, não correspondida. Essa experiência é imensamente importante para a menina de 22 anos por ser a primeira vez na sua curta vida que sente qualquer tipo de atração por outra pessoa.
As personagens são muito reais, sólidas, mutáveis e inconstantes. Sumire quase muda de personalidade para existir no mundo de Miu. K vive passivamente na esperança de que, por algum milagre, Sumire se aperceba que nutre sentimentos por si. E Miu, descrita como o cúmulo da perfeição, guarda em si segredos inimagináveis sobre a condição humana.
No entanto, todos eles parecem uma névoa impossível de tocar. Não só para o leitor, como também entre eles. A dinâmica é, em grande parte, insaciável e efémera. Uma aura de solidão acompanha toda a obra ao nível do desespero.
Sputnik, para além de ser um satélite russo, significa “companheiro de viagem”, e é precisamente o que cada uma das personagens representam. Entre si, têm relações superficiais com emoções profundas. Ainda assim, dão a impressão de preencher um lugar provisório, que jamais poderá ser ocupado por outrem.
Os temas existencialistas são introduzidos por Sumire nas suas infinitas conversas com o narrador. Juntos refletem sobre a complexidade humana, o desejo carnal, literatura e, de forma geral, assuntos mundanos e aleatórios.
A mulher, nas obras de Murakami, desempenha o papel de um canal entre mundos. Desta forma, guia o leitor e, muitas vezes as outras personagens, para uma narrativa de sonhos e irreal. Assim, a realidade e o imaginário fundem-se, criando um clima de êxtase tão característico do autor japonês.
A linguagem é simples, mas elegante. Espelha o discurso do subconsciente e a tendência para racionalizar emoções. É, acima de tudo, uma prosa pretensiosa sobre a separação do “eu” e amor não correspondido.
Apesar da sua escrita usualmente fascinante, esta obra não correspondeu ao patamar a que estamos habituados. O intenso realismo e as emoções descritas da forma mais palpável possível são quase entendidas como insignificantes no desfecho final. Optando por uma narrativa aberta, o autor deixou demasiadas questões cruciais por responder. K e Sumire agem como se tudo o que aconteceu ao longo do livro não tivesse a mínima relevância. Sustentando, dessa forma, a ideia abordada anteriormente do dilema da humanização das personagens.
Sputnik, meu amor envolve-nos num processo de auto-análise involuntário. Faz-nos temer a nossa existência finita e fatal. Obriga-nos a repensar o lugar que ocupamos na vida dos outros, na nossa e no mundo de forma desconfortável e receosa.
Título Original: Sputnik, sweetheart
Autor: Haruki Murakami
Editora: BIS
Género: Romance
Data de lançamento: 1999