No dia 30 de Agosto de 1797, o mundo conheceu o verdadeiro génio que viria a ser Mary Godwin Shelley. A vida da autora inglesa facilmente se pode confundir com uma das suas obras. Bizarra e inquieta, a sua existência foi preenchida por tragédias, um único e incondicional amor e uma ousadia singular. Precisamente 125 anos após o seu nascimento, recordamos a magnificência do legado literário que nos deixou.
Nascida numa família aparentemente controversa, Mary Godwin aprendeu desde pequena a importância da sua voz revolucionária. O pai, William Godwin, foi um político, filósofo e escritor, fundador do Partido Anarquista Moderno. Por sua vez, a mãe, Mary Wollstonecraft foi uma das precursoras da emancipação feminina, autora da obra Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher (1792).
Falecendo dez dias após o parto, a filha ficou para sempre marcada pela culpa de privar o mundo das ideias revolucionárias da sua mãe. Sentimentos esses que se manifestaram na sua escrita, sobretudo em Frankenstein.
A obra-prima da escritora inglesa faz uma analogia direta à maternidade. O monstro que Frankeinstein criou com tanta euforia durante meses, foi completamente depreciado e rejeitado mal abriu os olhos. Vulnerável e confusa, a criatura teve de descobrir o mundo sozinha, sujeita aos olhares de repulsa e abominação da sociedade europeia. A falta de amor tornou-o inverosímil e cruel, deixando o leitor num dilema moral sobre quem realmente é o vilão da história: o monstro ou Frankenstein?
Apesar de não ter conhecido a mãe, Mary sempre manteve contacto com ela. Foi no seu mausoléu, em St Pancras Old Church, onde passou grande parte dos seus dias, onde se encontrou pela primeira vez com Percy Shelley e foi com a sua lápide que aprendeu a ler. As visitas ao túmulo da sua mãe permitiam que a alma de Mary Wollstonecraft permanecesse viva, assim como as suas ideias que floresceram décadas mais tarde.
Aos 17 anos, conheceu Percy Shelley com quem partilhou um amor incondicional digno de um trágico conto vitoriano. O poeta e filósofo era um grande admirador de William Godwin, sobretudo da sua visão sobre o casamento ser uma forma repressiva de beneficiar o capitalismo, ideia que desenvolveu na obra Justiça Política, em 1773. Por esse motivo, tornou-se um convidado recorrente na casa dos Godwin, fortalecendo a sua intimidade com a filha do amigo.
Shelley, na altura com vinte e dois anos, era casado e com, inclusive, dois filhos. Por isso, Godwin desaprovou abertamente a união entre os dois, de forma a salvar a reputação social de Mary. Ainda assim, e com uma profunda tristeza por desapontar o pai, o casal fugiu para Paris, acompanhado por Claire Clairmont, meia-irmã da escritora. Esta mudança, porém, durou poucos meses, já que logo ficaram sem fundos monetários para sobreviver. Então, regressam para uma Inglaterra crítica e depreciativa que os olhou com repulsa. Ademais, casaram em 1816, após a notícia da morte da primeira esposa de Percy ser anunciada.
Mary deu à luz quatro filhos, e três deles faleceram entre o seu primeiro mês e primeiro ano de vida. Profundamente afetada pelas suas perdas, recorreu ao seu estado depressivo para criar as obras literárias mais bizarras e fascinantes da história.
Em 1818, com 19 anos, materializou Frankenstein ou O Prometeu Moderno, após o incentivo de Lord Byron num pequeno concurso de histórias de horror. Para além da obra de Mary Shelley, nasceram deste desafio The Vampyre, de John Polidori e A Fragment, de Lord Byron.
A sua efervescente mente criativa criou as narrativas mais inovadoras da época. Em adição à sua obra mais conhecida, destacam-se, também, a história de cariz autobiográfico Mathilda (1819) e o cenário apocalíptico de O Último Homem (1826).
Após a sua morte, encontraram na secretária uma bolsa de seda com o coração calcificado de Percy, um dos seus poemas, parte das suas cinzas e madeixas de cabelo das três crianças mortas. Mary Shelley experienciou a literatura gótica até ao limite. Viveu com uma intensidade de sentimentos que, posteriormente, passou para o papel e imortalizou na memória do mundo.