A antologia Fernando Pessoa – Sua Vida – Seus Poemas constitui um fragmento do espólio cadastral de uma das figuras lusas mais enigmáticas da literatura portuguesa, Fernando Pessoa. Lançada a 1 de junho de 2007, esta linha editorial pretende imortalizar o que foi uma das figuras mais emblemáticas do século XX.

É, indubitavelmente, um livro que caricatura um legado abissal na esfera literária, proporcionando um efeito catártico, no que é um grito agonizante e involuntário de sofrimento. Este pendor natural evidenciando por Pessoa torna a sua escrita inigualável. Não só pela dicotomia existencial entre a persistente lucidez e vontade incoerente de suprir a dor, mas também pela sua posição de impotência em relação ao fenómeno encoberto que é a Vida. “A criança que fui chora na estrada/ Deixei-a ali quando vim ser quem sou;/ Mas hoje, vendo que o que sou é nada/ Quero ir buscar quem fui onde ficou.”

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Por outro lado, a índole místico-platónica eleva a sua escrita a um plano metafisico. Um xadrez estético que armadilha a escrita pessoana numa ilusão de proximidade ao ser divino. Esta linguagem está presente tanto no ortónimo como no heterónimo, assumida claramente em Ricardo Reis. Uma evasão do real que advém do espírito repartido do escritor entre o lado sensível e inatingível. Como resultado, as suas palavras comprimem-se num estatuto moral e estético elevado.

Não obstante, apenas são mencionadas partes das obras Mensagem, Tabacaria, O Banqueiro Anarquista, Desassossego e os seus heterónimos. Em consequência, espaços de debate político, reflexões de cariz filosófico, doutrinário e económico foram excluídos deste livro. Isto, porque segundo Augusto Pinto são temas que devem ser tratados “com extrema profundidade”. Contudo, ocultar uma parte tão elementar de Pessoa não permite ao leitor compreender a magnitude da visão do escritor acerca do mundo, e em consonância a plausibilidade do seu universo.

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Além disso, passar por esses quadrantes de um modo mais superficial não iria comprometer a complexidade do tema. Pelo contrário, o leitor tem o discernimento para compreender a génese de um excerto e proceder à leitura integral da obra, se assim o desejar. Contribuindo para o objetivo sustentado na introdução do livro – a permanência de Pessoa na mente coletiva.

Ainda assim, continua a oferecer uma diversidade de conceções poéticas e narrativas que mergulham sobre um mar intelectual. Proporcionando uma leitura contínua e envolvente. “A bondade é um capricho temperamental: não temos o direito de fazer os outros vítimas de nossos caprichos, ainda que de humanidade ou de ternura. Os benefícios são coisas que se infligem; por isso os abomino friamente.”

Por outro lado, Augusto Pinto opta por apresentar esta constelação pessoana numa evolução cronológica, levando o leitor numa viagem que acompanha Pessoa desde criança à sua idade adulta. Permitindo obter um conhecimento profundo sobre o escritor e, consecutivamente, a cerca da questão existencial subjacente nas suas obras. Como é que uma alma perdida pode encontrar as chaves de uma prisão que foi por si criada?

Ao unificar a melancolia, a sensibilidade, o entendimento científico e religioso, nasce a beleza da arte pessoana. Nada mais é do que um manifesto de pura genialidade. Uma figura de referência, que faz despertar a agudez para um mundo desconhecido nas antípodas do conciliável. Entre a consciência e ânsia do sentir, torna-se quase uma obra de arte total.