O primeiro romance do filósofo francês Albert Camus foi lançado em 1949. Considerado um dos mais importantes clássicos da literatura do século XX, O Estrangeiro apresenta uma narrativa insuportável e excruciante. Retrata a alineação de um individuo que se auto-exclui da sociedade por se recusar a seguir as normas impostas. Contudo, não como um ato de rebeldia ou inconformismo, mas por nada ter valor suficiente para captar a sua atenção.

Camus, precursor do existencialismo e do absurdismo, recorre à personagem de Meursault para introduzir a segunda corrente de pensamento. Esta vertente filosófica nega a presença de um significado na vida humana, aludindo a um ceticismo em torno da existência. Como a vida é absurda, nada tem um propósito ou valor inerente. A vida acontece, nós experienciamos e, quando termina, vemos que nada do que vivemos teve a mínima relevância.

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Assim sendo, o enredo de O Estrangeiro cinge-se em torno de um homem desprovido de interesse pelo rumo da sua vida, que não reage aos acontecimentos pelo simples facto de que não se importa. Para o leitor, Meursault torna-se agoniante, sufocante e insuportável, complicado de lidar e impossível de entender. O seu modo de pensar é descrito logo no parágrafo inicial, deixando o leitor desconfortável desde o começo. “Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames”. Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.”

Meursaul é passivo, indiferente, desapaixonado pela vida, inconsciente e desconectado dos outros à sua volta. Para si, as suas ações não têm consequências. Por isso, pode fazer tudo o que quiser, desde não projetar ou planear um futuro para si até matar um homem só porque no momento não encontra nenhum motivo para não o fazer. As outras personagens cumprem o mesmo papel do leitor. Confusas, inquietas e revoltadas com a apatia do protagonista, tentam entender a sua postura social. Conspiram, questionam e falham redondamente.

O Estrangeiro tem pouco mais de 130 páginas, mas cada uma delas está preenchida com desconfortáveis ideias acerca do papel do ser humano no universo. A sua leitura é, apesar de fácil compreensão, difícil de digerir. A escrita de Camus é crua, densa, real e cruel. Não pretende induzir sentimentos positivos no leitor, mas antes arrancar de si o maior ato de auto-realização que for possível.

Camus criou uma personagem completamente diferente dos cânones literários e, em parte, sociais, recorrendo a si para expor a sua corrente filosófica. Numa obra que nos deixa com uma sensação de desconforto e raiva constantes, o escritor francês materializou todo o propósito da literatura – provocar uma reação no leitor.